Pergunta: Olá de novo. Está tudo bem por aí?

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“E sei que só é capaz de amar até à exaustão quem for, como eu, filho de um pássaro e de uma pergunta”. Que nome para este LIVRO? Joaquim Pessoa.

Por aqui, assume-se que não está tudo bem. Os dias correm cheios de pontos de interrogação, como uma nuvem permanente que nos segue para todo o lado. Quando me olho no espelho, a forma é claramente interrogativa. O meu corpo tem forma de pera, haja belas ancas para parir os filhos que não tive. Uma bela pergunta esta. Se não era suposto ter filhos, porque razão tenho que vestir o 40 ou 42? Talvez, um dia, perceba e aceite a minha anca larga porque nem todos podemos ser estreitos e a diversidade numerológica é infinita.

Por aqui, fazem-se perguntas. Procura-se entender em que ponto estamos. Interrogativo, exclamativo, reticências…

No seu livro “O Pequeno Caminho das Grandes Perguntas”, José Tolentino Mendonça, escreveu um texto com o título “Eu sou uma pergunta”:

“QUEM FEZ A PRIMEIRA PERGUNTA? Quem proferiu a primeira palavra? Quem chorou pela primeira vez? Porque é tão quente o Sol? Porque se morre? Porque se ama? Porque há o som e o silêncio? Porque há o tempo? Porque há o espaço e o infinito? Porque existo eu? Porque existes tu? — A escritora Clarice Lispector criou uma lista interminável só com perguntas assim. Há um momento em que percebemos que as perguntas nos deixam mais perto do sentido, da abertura do sentido, do que as respostas.”

Pergunta-se à procura de um sentido, de um caminho, de um propósito. Voltar à normalidade tem sido uma questão. O que realmente se passa com as pessoas num mundo transformado por uma pandemia e, agora, por uma guerra? Somos os mesmos que eramos pré-março de 2020? Queremos, mesmo, voltar à normalidade tão desejada, tão garantida, tão previsível, tão ilusoriamente controlada?

Parece-me que uns sim, outros não. Depende. A normalidade tem uma grande carga de subjetividade. A normalidade é relativa. Seja porque a norma se desloca por influência de elementos externos, seja porque o que é a normalidade para uns não é necessariamente a normalidade para outros, por circunstâncias de vida pessoal, por questões culturais, religiosas, geográficas.

A idade é uma variável que, também, a condiciona.

(normal + -idade)

Por aqui, ao número 47, questiona-se. Será normal da idade? Já estou na meia, é um facto. Já passei da meia. Talvez acima do joelho, mas ainda não na idade da coxa.

Não sendo a normalidade um objetivo per se (?), nem tanto um conceito (?), mas sim um estado, afinal em que estado estamos?

É unanime o cansaço. Andamos a correr para recuperar o tempo “perdido”. Vivemos a tentar equilibra-nos, nesta passagem de um mundo para um outro, não através de uma ponte segura, mas num elástico frouxo que balança mesmo que o peso seja uma pequena pena porque a consciência que tudo muda num sopro, essa sim, veio para ficar.

Está tudo bem por aí? Por aqui, estou como Clarice, nas palavras de Tolentino:

“«Eu sou uma pergunta», dizia Clarice. Mesmo se vivemos rodeados de perguntas, as mais preciosas são, porventura, aquelas que em silêncio nos acompanham desde o princípio, aquelas que se confundem com o que somos, como o espinho no troço da rosa ou como a rosa que, sem sabermos como, floresce no cimo improvável daquela sucessão de espinhos. Deveríamos dedicar mais tempo a escutar essas perguntas que pulsam no nosso interior, soterradas no atordoamento dos dias, omitidas pelo pragmatismo ou pelo medo, adiadas para um momento ideal que depois nunca é”.

E neste momento, a minha nova normalidade, inclui Borsch ao jantar. Porquê? Porque há sempre quem tenha mais perguntas do que nós.

Imagem: Escultura de Jean-Michel Folon. Expo Folon: SCULPTURES. Abbaye de Villers, Bélgica. Novembro 2020.

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Mulher, na sua década de quarenta. E de bem com isso. Nasci em Lisboa, cidade que amo, mas sinto-me e desejo-me mulher do e para o Mundo. Movem-me as causas, a cultura, a natureza. Sou projeto inacabado e em permanente desenvolvimento.

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