Adolescer

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Imagem de Isabel Santiago

No início da adolescência ocorrem mudanças no corpo e na mente da adolescente. Quem nunca se deparou com estas mudanças, em si próprio ou nos outros? A adolescência, compreende a puberdade (alterações biológicas), e alterações psicológicas e sociais. No seguimento das várias mudanças biológicas, a imagem corporal também se encontra em fase de remodelação. A menina passa a ser mulher. Sem aviso, nem preparação. A imagem corporal é a representação mental do próprio corpo, o modo como ele é percebido pela mulher. Esta imagem corporal é uma mistura entre o que é percebido pelos sentidos da mulher e a resposta que os outros dão a esse corpo em modificação. Assim, a imagem corporal desenvolve-se na relação da mulher consigo mesma, e com os outros.

É nesta fase que a menina adquire uma nova imagem do seu corpo, com a chegada da menstruação, que tem como tarefa psíquica que definir seu papel e identidade sexual. A adolescente precisa fazer o luto pelo seu corpo infantil e aceitar o seu corpo de mulher. Este processo nem sempre é fácil. Nem sempre corre bem. E não corre bem, em parte, devido ao machismo intrinsecamente ligado a todos os comportamentos nesta altura.

Falta apoio social para lidar com suas transformações: as adolescentes deparam-se com os modelos de beleza e com a extrema valorização da aparência em detrimento da construção da pessoa. Estes modelos são internalizados, sem serem questionados. Existe um desprezo pela subjetividade e uma supervalorização da imagem, um narcisismo, que é objeto de consumo. A adolescente tem de lidar com 2 coisas neste processo: as suas transformações físicas e psicológicas, e a impossibilidade de corresponder aos padrões de beleza.

Na minha adolescência, fui apelidada várias vezes de Olívia Palito. Numa altura em que a minha personalidade se estava a desenvolver e a minha base se estava a criar, eu convivia diariamente com a noção de que o melhor era ter curvas. Hoje, psicóloga há 10 anos, e já tendo passado pelo processo psicoterapêutico obrigatório num pós-graduação em psicoterapia, não consigo ultrapassar as imagens que me chegam vindas da adolescência, e sempre que me refiro ao meu corpo, está lá a ideia de que ter curvas é ser melhor. Ainda assim, o tempo passou, e é ele o melhor conselheiro, e eu aprendi a não me importar com o que pensavam do meu corpo. Eu era assim. De que me adiantava estar constantemente a pensar em ser assado?! Aprendi, talvez devido ao curso que fiz, a valorizar o meu corpo. Mas não deveria tê-lo valorizado sempre?

O machismo está por trás deste bullying. As meninas de 15 anos querem ser melhores para agradar os rapazes. O que importa é que somos condicionadas pela vontade dos rapazes desde muito cedo. Se os rapazes gostam mais de magras, todas queremos ser magras, se os rapazes gostam mais de cheiinhas, queremos todas ser cheiinhas, e assim sucessivamente. Porquê? Os rapazes aprendem a ser os homens em que se tornam: aprendem a usar e abusar. Para prejuízo deles, porque não conseguem, também eles, fugir a este machismo. Acreditem: os meninos que não são garanhões ou que não têm muitas namoradas também sofrem.

E se apanham a miúda mais fragilizada? O uso a que me referi acima é maior e depois a miúda é catalogada com o tipo de rótulos que fará a vida desta menina bastante mais difícil. Os rapazes têm de ter várias namoradas, para se afirmarem. As raparigas são tudo de mau se tiverem vários namorados. As raparigas têm de ser recatadas. 

Lembro-me que, na escola onde andei – isto é geral, existe um rapaz destes em todo o lado – havia um rapaz a que a maioria das raparigas achava graça. Ele fazia o que queria. Punha e dispunha de todas. Namorava com quem quisesse, mas, aos 15 anos, só queria aquelas que não tivessem tido nenhuma namorado. Ora, isto já aconteceu há 20 anos. Mas continua a ser assim nos dias de hoje.

Nós mulheres crescemos assim. Com a ambição de ser sempre outra mulher qualquer, e com medo de rótulos. Crescemos a condicionar a nossa escolha de tudo pelos homens. Temos de ser todas modelos da Victoria Secret, e, se não formos, passamos a vida de cabeça enterrada na almofada a chorar porque queríamos ser.

Convivemos com o assédio sexual e moral como se fosse a coisa mais normal. É assim, pensamos nós, quando vamos por pela enésima vez a cabeça na almofada. Só que não tem de ser assim.  O abuso sexual é violência de género, ou seja: machismo. É o começo de tudo e é tido como normal. Existem, efetivamente, poucas ferramentas de empoderamento das raparigas: “este é o meu corpo, se fiz foi porque tinha vontade de fazer”.  Não temos auto-estima suficiente para mandar no nosso corpo. Eu sempre tive a noção de que o corpo é meu. Porque é. Cada corpo é um corpo. Cada corpo tem a beleza de ser um corpo. Não se deixem ir atrás de novelas e desfiles de beleza e sobretudo não se deixem ir atrás das vontades dos meninos. 

Tenho 3 filhas. 

É esta a lição mais importante que tenho para lhes dar. 

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