Ao contrário das visões medievais que por aí têm circulado, propagando ideias iguais às dos regimes fascistas que gostam de aprisionar as mulheres na esfera doméstica e maternal, é benéfico para os filhos as mães terem um trabalho pago. Veja-se a pesquisa que Kathleen McGinn tem feito sobre estes assuntos. Por um lado, as filhas de mães que tinha um emprego trabalhavam mais elas próprias, ganhavam mais que as filhas de mães sem carreira e tinham mais empregos de níveis de supervisão de outras pessoas (i.e., mais acima na hierarquia). Por outro lado, os filhos de mães que tinham um emprego não mostravam diferenças na sua carreira face às mães stay at home, mas tinham visões mais igualitárias e participavam eles próprios mais nas tarefas domésticas e com filhos. Donde se conclui que as mães terem um emprego é em si mesmo um fator de promoção da igualdade entre os sexos no trabalho e em casa. E tanto filhos e filhas de mães com emprego eram mais escolarizados que os de mães donas de casa. Mas há mais: não há diferença de nível de felicidade em adulto de filhos de mães que ficam em casa e de mães que tinham emprego.
Julgo que uma das grandes preocupações para as mães que trabalham é a possibilidade de estarem a passar pouco tempo com os filhos e perderem fases significativas da sua formação. Estes estudos trazem apaziguamento. Em boa verdade, em Portugal, com a sua alta taxa de mulheres na população ativa, vimos bem isso. A minha mãe sempre trabalhou (até é bastante workaholic). As mães das minhas amigas todas trabalhavam (verdade). E, incrivelmente, nenhuma de nós se tornou sociopata. Por outro lado, no meu grupo de amigos, os xy são muito participativos nas tarefas da casa e com os filhos. A pesquisa científica aplica-se à realidade que me rodeia como um bom creme de dia. (Sim, eu sei, é um meio lisboeta e privilegiado e não reflete todo o país – desde logo nas mães com emprego. Seria bom.)
E há outro fator a ter em conta: o exagero que é a maternidade (e a paternidade) hoje em dia. Agora a maternidade é profissionalizada, com um apertado horário de afazeres das mães com os filhos, atividades extracurriculares, playdates com amigos, nada é deixado ao acaso, é tarefa que literalmente consome (nos casos tidos como ideais) todo o tempo que as mães estão acordadas. É este exagero atual que as mães que trabalham usam para se comparar, em vez dos hábitos relaxados de mães não profissionalizadas de há umas décadas (que tinham elas próprias, não raro, vida social intensa e trabalhos de voluntariado). Não se preocupem: estamos todas bem melhor que as mães upper class dos tempos idos, que entregavam os filhos às amas e os viam um bocadinho à tarde e, com sorte, à hora de jantar; ou que as mães working class que trabalhavam fora de casa desde que acordavam até que adormeciam.
Penso que não só temos de deixar de nos comparar a estas distopias maternais, como devemos assumir que, querendo ter uma carreira, não conseguimos ser mães perfeitas, não conseguimos fazer tudo nem estar em todo o lado ao mesmo tempo. E que não vem mal nenhum ao mundo, nem aos nossos filhos, por isso.
Maria Luísa Aldim contava-nos no outro dia que as mulheres que querem investir numa carreira têm de aprender a delegar tarefas também em casa e com os filhos – e que foi o que fez. Eu própria, só este ano, por questões da organização da vida dos meus filhos, estou mais liberta na hora de os ir buscar às aulas e atividades (e já o fazia porque profissionalmente tenho horários muito flexíveis). Mas, ainda assim, fiz um mestrado com dois filhos pequenos, incluindo um ano letivo com aulas três vezes por semana ao fim do dia (da mesma maneira que o pai fez um curso para executivos) e raramente perco oportunidades de eventos que me interessam – entre pai, avó e tia das crianças, alguém me substituirá. Claro que ter ajuda doméstica paga e uma rede de suporte familiar é de importância crucial – em falhando estas é que geralmente começam os problemas.
Vicky Price, que escreveu Why Women Need Quotas, dá-nos no livro uns exemplo da sua vida. Mãe de cinco filhos de dois casamentos, uma economista tremendamente bem sucedida nos anos em que tal não era nada comum para as mulheres (só umas poucas que não tinham filhos – algo que ainda hoje se reproduz de alguma forma), com família na Grécia, viagens e longas horas de trabalho, claro que se apoiava em ajuda doméstica paga. Ainda assim, uma vez esqueceu-se do dia do aniversário do filho mais novo. Outra vez foi confundida com o marido por uma das filhas porque chegou a casa durante o dia.
Já sabemos: enquanto não nos esquecermos que um filho faz anos, estamos para cá do limite do excesso de zelo com a profissão. Relaxemos e sejamos ‘somente’ as melhores mães e profissionais que conseguirmos.