Em Portugal sobre assuntos de natureza económica raramente encontramos jornalistas, políticos ou mesmo académicos a expor, ou a escrever, algo que soe ou seja considerado herético no consenso dos mercados ou da academia (mainstream), ainda que possa merecer crédito científico– tudo menos correr o risco de passar por alienado e ser marginalizado – mais facilmente se incorre numa polémica ou numa notícia falsa, é menos arriscado.
“Dizer a verdade com os malucos”, poucos ditos populares ressoam tanta e tão profunda sabedoria como este, e poucos sintetizam tão bem a nossa natureza como povo: circunspecta, conservadora, adeptos de uma filosofia utilitarista de moral dúbia.
Sobre o crescimento económico convém dizer tudo menos a verdade -um exemplo paradigmático – é extremamente difícil encontrar opiniões contrárias ao crescimento económico perpétuo, um dogma da economia neoclássica. E neste caso, ainda, nem é algo que separe politicamente a esquerda marxista da direita neoliberal, ambos são devotos do crescimento discordando apenas no modelo económico de o obter.
Quem faz abertamente críticas ao crescimento económico, como o definimos, ainda corre o risco de ser apelidado de hippie a destempo, ou decrescimentista infantil e fantasioso – como foi o caso da Greta Thunberg, quando discursou nas Nações Unidas. Criticas que por agora estão entregues a uma nova geração ainda sem poder.
No entanto, a ciência e a realidade das alterações climáticas e a destruição da biodiversidade vão fazendo caminho, deixando sós os mais empedernidos negacionistas em nome do crescimento económico. Mas muitos há, que aguardam sentados nas academias e nas redações até que um novo paradigma se afirme na cidade, para então escrever descansadamente -repetindo e reciclando– que esta ambição pelo crescimento económico é insustentável.
Se a reforma do capitalismo é tema recorrente de jornais de referência, a primazia do crescimento económico só começou a poder ser politicamente e publicamente equacionado quando países como a Nova Zelândia não o consideraram o factor mais importante na elaboração do orçamento de Estado. Foi preciso que Jacinta Ardern, nos explicasse que após anos de crescimento económico constante e significativo, o país estava a registar das mais altas taxas de suicídio bem como a ter vergonhosas taxas de crescimento de sem-abrigos, pobreza infantil e violência doméstica. O crescimento por si não faz um país, é importante o foco noutros valores socialmente mais significativos.

É fácil desacreditar pelas evidências a falácia da autossuficiência do crescimento económico para bem da sociedade, para tanto basta a destruição continuada do património natural, e a actual contestação social em países avançados, como na França, Estados Unidos, Chile. São tudo provas que o crescimento económico, per si, não é ambição suficiente para uma sociedade.
Por incrível que nos pareça, até o tema do decrescimento económico (tabu absoluto até aqui) começou a ser reequacionado sem estigmas, após a falsa partida dos anos 70 (The Limits of Growth), quando este ano revistas e jornais como a Harvard Business Review ou o New York Times, publicaram artigos sobre o assunto, reconhecendo que a sua abordagem era incontornável na actualidade, para as empresas e para os Estados.
Não é a primeira vez que escrevo sobre o tema, fiz aqui uma critica à crença puritana no crescimento económico perpétuo, advogando a introdução de mecanismos de feedback negativo (que podem ser indicadores de bem-estar), para condicionamento da estratégia económica e da sustentabilidade dos ecossistemas físicos e sociais – uma óptica mecanicista e uma abordagem sistémica ao problema.
Na semana passada ficámos a saber que Portugal aumentou significativamente a sua pegada ecológica, subindo num triste ranking internacional, resultado do nosso modelo de desenvolvimento económico dos últimos anos, com as apostas no turismo e na agricultura intensiva a contribuírem significativamente para este agravamento.
Quando o Governo divulga agora um plano estratégico para uma década (2030) é bom recordar e comparar com o que John Maynard Keynes em 1930 sonhou para nós em 2030: resultado do crescimento económico e do progresso tecnológico teríamos uma sociedade em que trabalharíamos não mais de 15 horas e que o restante tempo seria dedicado a actividades não-económicas.
Para termos a dimensão do nosso fracasso devemos ter em consideração que o crescimento económico conseguido pelas economias avançadas no último século não está longe do que Keynes estimou, e, no entanto, no mais, estamos ainda longe da sociedade sonhada.
Quão baixo julgamos nós que este crescimento nos leva?