O cristianismo não se confunde com o obscurantismo conservador

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Ontem, na festa de Natal do 3º ciclo de um dos bons colégios católicos de Lisboa. A meio da exibição uma rapariga representando o seu papel descreve a família no Natal (e foi a única personagem que descreveu a família). Fala da família do lado da mãe, que inclui o padrasto. Depois a família do lado do pai, que inclui a madrasta.

Evidentemente muitos alunos do colégio, se calhar a maioria, têm pais divorciados. Mas não deixou de ser bonito verificar como um colégio católico acolhe desta forma estas famílias modernas, desfeitas e refeitas, em vez de escolher manter o idílico casal junto até que a morte os separe, e, de caminho, moralizar sobre como devem ser atualmente as famílias e os casamentos.

Mais à frente, com imagens de muçulmanos e refugiados, outra personagem dizia mais ou menos isto: ‘reza ao teu Deus, eu rezo ao meu; se calhar é o mesmo, porque o meu Deus chama-se Amor’.

Ecumenismo, aceitação inter-religiosa, respeito pelas crenças alheias (e pela bondade gerada pelas crenças alheias), aceitação das dinâmicas familiares do mundo de 2019, respeito pelas voltas das vidas dos pais dos alunos, acolhimento das vivências familiares não-tradicionais dos alunos – tudo dentro da mensagem de Natal. Todas estas realidades abraçadas por essa promessa de amor e esperança que representa o Natal. Inclusão em vez de exclusão.

Trago aqui este caso não para fazer um texto sentimental de Natal. Queria sobretudo salientar como há uma parte da Igreja que vive no mundo e, na verdade, ama e acolhe o mundo como ele é. E esta parte da Igreja está a anos luz dos populismos que exigem representar os valores da cristandade – que odeiam o mundo atual, recusam a evolução, vêem mal nas mudanças ocorridas, desconfiam dos diferentes (quando não os detestam), clamam pelo regresso a um status quo mais ou menos imaginário onde a ordem natural das coisas (da hierarquia familiar e das civilizações) não havia sido subvertida.

Esta gente hiper conservadora que agora polui as redes sociais (e o mundo, mas menos o mundo, porque geralmente são hipócritas e não vivem de acordo com as suas fatwas obscurantistas) está a anos-luz de distância da religião cristã, do catolicismo, da deliciosa personagem que foi Jesus. Já aqui lhe chamei o clubismo cristão – porque de facto vêm a cristandade (não o cristianismo ou catolicismo) como uma divisão de clubes, onde se pretende excluir e aniquilar o clube opositor. Nada a ver com valores de Jesus. São o oposto do que deve ser um cristão. Querem o mal do outro, desprezam-no, nunca considerariam inclui-lo. Estes maluquinhos de coração duro já existiam há muito no cristianismo (felizmente foram travados pelo Papa Francisco), usando e abusando de um fanatismo assustador. Agora vírus semelhante passou para a política. Não sei quem terá o condão de Francisco para os parar e os expor na sua maldade e mensagem contrária ao Amor.

Pelo que neste Natal e a chegarmos aos anos 20 do século XXI (esperam-se loucos, também), vamos espalhando as verdades: os hiper conservadores com mensagens anti modernidade e mensagens de exclusão não falam nem representam a mensagem de Amor da religião de Jesus Cristo. Em boa verdade são o oposto. E os cristãos devem vê-los assim.

 

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Mãe de dois rapazes e feminista (das duas características conclui o leitor inteligente que não quer exterminar os homens da face da Terra). Licenciou-se em Economia ao engano, é empresária, mas depois encarreirou para os Estudos Orientais, com pendor para a China. É cronista do Público e escreve ocasionalmente ensaios sobre livros e leituras na Ler. Já foi blogger e cronista do Observador e Diário Económico. Considera Lisboa (onde nasceu e vive) a cidade mais bonita do mundo, mas alimenta devaneios com Londres e Hong Kong.

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