Homenzinhos – uma espécie finalmente em vias de extinção

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Em 1949, escrevia Simone de Beauvoir na sua obra-prima O Segundo Sexo: “Um dos benefícios que a opressão assegura nos opressores é o de o mais humilde destes se sentir superior: um “pobre branco” do Sul tem a consolação de dizer que não é um “negro imundo”, e os brancos mais ricos exploram habilmente esse orgulho. Assim, também o mais medíocre dos homens julga-se um semi-deus perante as mulheres. […] Para todos os que sofrem de complexo de inferioridade, há nisso um remédio milagroso: ninguém é mais arrogante em relação às mulheres, mais agressivo ou desdenhoso, do que o homem que duvida da sua virilidade. Os que não se intimidam com os seus semelhantes mostram-se também muito mais dispostos a reconhecer na mulher um ser semelhante”.

A maioria das mulheres reconhecerá a veracidade desta afirmação: os homens mais machistas, anti-feministas e misóginos são os mais inseguros, os que fantasiam com outros homens e por isso reprimem a sua orientação sexual e/ou os que tanto duvidam da sua própria virilidade (ou, sem duvidar, sabem quão minúscula ela é).

Estes fracos exemplos de homens têm um habitat diverso, existindo no espectro político da esquerda à direita, com especial enfoque na extrema-direita. Os grunhos caem quase todos nesta categoria, embora muitos homens woke de esquerda também. Como bem explicou a Maria João Marques aqui, o feminismo tem de ser apartidário. E uma das razões é porque a misoginia também o é.

É chocante e vergonhoso como linhas escritas há 70 anos ainda sejam tão actuais. Mas tenhamos esperança que o princípio do fim já chegou: cada vez há mais homens a ver a mulher como um ser semelhante. Porque cada vez há mais mulheres a obrigá-los a ver-nos assim. Durante séculos as mulheres não tiveram acesso à educação. Em poucas décadas depois de termos conquistado esse direito somos nós quem, sistematicamente, domina o ensino superior e com melhor performance académica, mesmo em àreas “técnicas” como economia, gestão ou matemáticas aplicadas.

Já a conquista da meritocracia no domínio profissional tarda em chegar, por uma panóplia complexa de factores, o maior deles a falta de vontade por parte dos beneficiados em abdicar dos seus privilégios masculinos. Atitude mais reveladora da sua própria mediocridade era difícil…só homens que sabem não ter hipótese de competição num even playing field se posicionam contra a meritocracia e os mecanismos desta, como as quotas. Eles sabem que muitas mulheres fariam o seu trabalho de forma bem mais competente e eficaz, aliás, eles lembram-se bem da excelência académica de várias das suas colegas de faculdade. Ainda hoje temem que elas os substituam.

Sejamos optimistas. Temos razões para acreditar que novos ventos sopram. A cada eleição a representação feminina aumenta, consistentemente, em diferentes países. O domínio na educação, academia e cargos directivos mantém a mesma tendência crescente. Mas acima de tudo, as mulheres estão fartas e já não toleram a sua discriminação e opressão, especialmente as mais novas. Veja-se o exemplo brilhante desta campanha do banco Citi (recomenda-se a leitura dos comentários que demonstram quão forte é a azia grunha perante a perda de privilégios).

Que estratégias estão à disposição das mulheres para acelerar esta evolução inevitável?

No best-seller O Conto da Aia Margaret Atwood escreveu a famosa citação: “Os homens têm medo que as mulheres se riam deles; as mulheres têm medo que os homens as matem”.

Quando lemos esta citação – certeira – costumamos focar-nos na segunda frase. Embora a violência masculina contra mulheres seja o principal tema que move as feministas e o foco da nossa luta, hoje proponho que nos foquemos na primeira frase: os homens têm de facto muito medo de ser gozados, especialmente por nós. Eu defendo que devemos todas usar essa arma. Porque funciona.

O humor, sarcasmo, ironia e crítica são formas poderosas de libertação. Gozar com o opressor não só lhe retira poder como direciona parte desse poder para o oprimido. Tira o opressor do pedestal artificial onde ele jamais deveria estar.

Homens misóginos não nos merecem qualquer respeito. O respeito merece-se, tem de ser conquistado. Se eles não nos respeitam, acaso nós lhes devemos respeito? Além disso, eles são cobardes e como tal só reagem a demonstrações de força. Interpretam educação e respeito da nossa parte como um sinal de fraqueza e submissão. Não funciona. A forma mais eficaz de lidar com eles é mesmo gozar: com o que dizem, com o que fazem, com a sua aparência e – bomba atómica – com a sua ineptidão sexual.

É, também, uma forma de mantermos a nossa sanidade mental e de lidar com os nossos medos. O humor e o sarcasmo ajudam-nos a ventilar as frustrações que nos são impostas pelo facto de sermos mulheres numa sociedade ainda machista.

O patriarcado exige que as mulheres vivam em medo constante dos homens. Está na altura de os homenzinhos terem medo de nós.

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