No meu primeiro artigo aqui critiquei o género. Hoje é o dia de criticar a igualdade, o que deverá parecer uma atitude bipolar por parte de quem se afirma feminista.
“A igualdade não chega, é o objectivo errado”, disse repetidamente Germaine Greer, que, com 80 anos acabados de fazer, continua a ser uma referência mundial do feminismo e uma voz surpreendentemente perspicaz e mordaz.
O feminismo nas décadas de 60, 70 e 80, era sinónimo de Women’s liberation movement. Porque o feminismo visa a libertação das mulheres, como classe oprimida. É o movimento que impõe mudanças sociais, políticas, económicas e culturais com vista ao fim da opressão feminina. Não visa, seguramente, tornar-nos iguais aos nossos opressores.
De acordo com as estatísticas compiladas pelo Relatório Anual de Segurança Interna em 2017, os homens são 96% dos homicidas conjugais, 100% dos violadores, 85% dos agressores domésticos e 98% dos abusadores sexuais de menores. Mulher nenhuma quer equiparar estas estatísticas. Nós mulheres não queremos matar, violar, agredir homens ou abusar de crianças; apenas queremos o fim desta violência que atinge desproporcionalmente mulheres e crianças do sexo feminino – segundo o mesmo Relatório, as mulheres/meninas são 92% das vítimas de homicídios conjugais, 91% das vítimas de violação, 80% das vítimas de violência doméstica e 81% das vítimas de abuso sexual de menores.
Esclareça-se que ninguém nasce criminoso nem vítima. Nem o cromossoma Y contém o gene violador nem o X o gene vítima. Todas as diferenças acima apontadas são produto da socialização, aculturação e educação patriarcal que todas/os recebemos, nada têm de biológico ou natural.
Mas as estatísticas são estas e não podemos ignorá-las. Quem quer igualdade perante estes números?
A verdade é que a igualdade é, de facto, o objectivo errado. Porque pressupõe que os homens são o paradigma. A maioria dos homens é infeliz – os homens têm menor tolerância ao stress e significativamente maior predosposição para transtornos de personalidade e suicídio; são academicamente inferiores – há várias décadas que são a minoria nas universidades, e com piores classificações; têm uma propensão exponencial para a criminalidade violenta, como vimos acima. É a esta classe de pessoas que as mulheres devem aspirar a ser “iguais”?
A masculinidade não serve como modelo. Vivemos em patriarcado há milénios e todas/os sentimos na pele o que significa uma sociedade masculinizada que toma os homens como referência: depressão, conflito e níveis de violência endémicos.
Existem cerca de 6500 diferenças genéticas entre homens e mulheres. Biologicamente, é pacífico que jamais seremos iguais, até porque igual não significa idêntico. Mas quando as feministas reclamam igualdade, o conceito refere-se a “igualdade perante a lei”, no sentido social. Existem demasiadas excepções ainda, mas a maioria dos países já consagrou na sua lei fundamental o princípio da igualdade. Mas na prática essa igualdade ainda não foi alcançada, responderão com razão. A questão é: essa igualdade chega? Sem liberdade, a igualdade não será uma meta demasiado modesta? Admitindo que a alcançaremos, como será essa sociedade? Mulheres criminosas? Não, já vimos que não queremos isso. Mulheres suicidas? Não, por favor. Mulheres em cargos directivos a gerir empresas de acordo com o paradigma masculino, em competição desenfreada, discriminando outras mulheres? Promovendo homens medíocres porque homens não engravidam? Não redondo.
Ninguém com um mínimo de bom-senso quer replicar um sistema falhado. E temos de admitir que o patriarcado falhou em toda a linha e é o responsável primário pela maioria dos nossos problemas políticos e sociais.
A solução não é igualdade sob o manto opressor do patriarcado mas sim o fim da catástrofe que é o patriarcado e é esse precisamente o objectivo do feminismo: queremos libertar as mulheres da opressão patriarcal, da violência e da discriminação.
Queremos um mundo onde os direitos das mulheres não são espezinhados, onde fetos do sexo feminino não são abortados selectivamente ou assassinados no parto, onde as mulheres e crianças não são objectivadas como bonecas sexuais nem comercializadas para serem abusadas sexualmente ou serem engravidadas por milionários que as usam como incubadoras, onde as mulheres e meninas não sofrem mutilação do seu peito e dos seus genitais, onde são acreditadas quando denunciam crimes e a sua autonomia corporal é respeitada, onde o seu mérito e competência são verdadeiramente reconhecidos.
O feminismo é o único movimento que ataca estas violações gritantes de direitos humanos e o único a lutar para as erradicar. É, por isso, um movimento político, social e económico que centra exclusivamente mulheres, mas todos os homens beneficiarão das nossas vitórias, porque livres do patriarcado, também os homens viverão vidas mais felizes e saudáveis.
Por isso não, obrigada: não queremos igualdade, queremos liberdade.