Ontem um amigo pediu-me que sugerisse um livro (só um – uma violência!) da Jane Austen para levar de férias. Ora pensando que podem estar em igual aflição de escolha, cá venho eu dar uns rápidos dois cêntimos sobre os livros de Jane Austen.
1. O Pride and Prejudice. É O livro da Jane Austen, claro, desde logo porque foi inspirado pelo seu muito real romance com Tom Lefroy. A atração entre Lizzie e Darcy é explosiva, tanto mais que ambos se apaixonam um pelo outro contrariados, que não queriam nada apaixonar-se por aquela pessoa com quem até inicialmente antipatizaram (o primeiro título do livro foi First Impressions). Andrew Davies – o meu venerado argumentista da adaptação de PP da BBC em 1995 -, ao dar as instruções a Colin Firth (o Mr Darcy mais maravilhoso de sempre) para a cena em que encontra de repente Lizzie (Jennifer Ehle) no jardim de Netherfield Hall, recomendou: age como se tivesses uma ereção ao ver Lizzie. É este o nível de magnetismo entre o par. Claro que em PP Jane Austen é demasiado bondosa com o sexo masculino: Darcy começa a história desorientado mas depois torna-se sagaz. Bom, na ficção tudo cabe.
2. Persuasion. É o livro mais maduro de Austen, o último que escreveu e publicado postumamente. A protagonista tem 27 anos – já quase solteirona para os critérios dos inícios do sec XIX, portanto. É um livro bonito, com mais uma muito boa personagem masculina, porventura o melhor xy da autora, o Capitão Wentworth. Tem o ímpeto da testosterona, está longe de perfeito (é vingativo, ou tenta ser, para Anne, a sua apaixonada de anos antes), tudo misturado com vulnerabilidade e, sobretudo, bondade. É uma história de redenção dos dois protagonistas, e eu sou sempre parcial para com histórias de redenção.
3. Emma. Leve e divertido. Uma protagonista que consegue desorganizar a vida de toda a gente à sua volta, incluindo a sua. Atenção, os temas austenianos estão lá todos – as questões de classe e de rendimentos (ou de falta de) que transtornam os romances sortidos das personagens. O snobismo e a personalidade pomposa de uns tantos. Os imbróglios de heranças. E depois temos Emma, mulher independente quando ainda não se usavam, que declara não querer casar porque uma mulher com rendimentos como ela não precisava de casar (claro que não contou com essas coisas que são a paixão e o desejo para lhe desfazerem os intentos).
4. Northanger Abbey. As personagens não são memoráveis, mas é uma sátira deliciosa aos romances góticos popularizados por Anne Radcliff. Uma personagem com imaginação excitável, uma família com um pai sinistro, uma casa que foi uma abadia medieval. E o ambiente frívolo, imoral, decadente e irresistível de Bath. Yummi.
5. Em calhando preferirem algo mais reduzido, há o romance epistolar Lady Susan, a obra mais picante de Jane Austen, escrita na adolescência. Uma espécie de As Ligações Perigosas de Choderlos de Laclos, mas em versão humorística e onde a mulher dissoluta afinal é recompensada com um casamento com um homem endinheirado e a possibilidade da manutenção do seu dileto amante. (Pronto: spoiler.) Nada do final misógino e punitivo que Laclos engendrou para a Marquesa de Merteuil. Jane Austen, mesmo adolescente, sabia bem que é mais importante (e divertido) recompensar a inteligência e a capacidade de sobrevivência das mulheres que puni-las por escapadelas sexuais.
Os livros estão todos carregados de humor, preferencialmente devem ser lidos no original, e rodam à volta de realidades na verdade muito pouco românticas – a falta de caminhos para as raparigas sem dinheiro se sustentarem fora de um casamento. Os meus menos preferidos são Mansfield Park e Sense and Sensibility, porque são os livros moralistas de Jane Austen. Portanto em escolhendo só um, recomendo que evitem estes. Todos os demais são um bombom.