A ansiedade através do espelho. Zoom is not a sexy thing.

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Preparação matinal para uma reunião via Zoom. Acordo uma hora antes para que as marcas da almofada não estejam vincadas na cara, embora as rugas estejam. Lavo a cara com água bem fria para que os papos dos olhos desinchem. Olho-me no espelho: “Mirror, mirror on the wall… I am not feeling the fairest of them all”. Em dias confinados, pouco ou nada de maquilhagem. Mas em dias de vídeo conferências, um anti-olheiras, corretor de imperfeições e borbulhas no queixo, base, bronzer, rímel azul e brilho nos lábios. Os quilos a mais não se disfarçam com maquilhagem… Amarro o cabelo se não estiver solto.

“Está com o microfone desligado”. Uma das frases mais ditas em 2020. “Está com o microfone ligado”. Outra das frases mais ditas em 2020. O teletrabalho é a norma. A câmara, pedem-nos para manter ligada. O confronto com a nossa imagem numa pequena janela, num pequeno quadrado visível a todos. Mirror, mirror on the screen…

Confina, desconfina, cofina, desconfina. Mas o teletrabalho veio para ficar. Pelo menos, o sistema de trabalho híbrido. O futuro parece-nos híbrido num contexto pós-pandémico. O trabalho remoto não deveria ser, no entanto, nem é na sua génese, uma recriação do trabalho presencial em escritórios: “As empresas que estão a recriar os escritórios remotamente vão esgotar as pessoas. É mais difícil, desta forma, fazer o que fazíamos no escritório” (…) “Isto não é trabalho remoto. É trabalho pandémico. É muito importante que as pessoas reconheçam isso. A maioria das razões é porque as pessoas estão sob extrema pressão e stress”.

Desta realidade pandémica, um novo conceito surge como um estalo: a “fadiga do zoom”, referindo-se à exaustão que se sente após reuniões em videoconferência. Muitas vezes em loop e em condições de trabalho tudo menos propícias: “Teletrabalho não é estar em casa confinado por imposição devido a haver uma pandemia a assolar o mundo. Não é estar a trabalhar de casa, muitas vezes sem condições logísticas, com falta de equipamento apropriado, sem conhecimento das ferramentas, com os filhos para cuidar, com todo o agregado familiar a tentar reunir virtualmente ou a ter aulas em simultâneo e com uma enorme incerteza sobre o futuro e receio constante de contágio pelo vírus”.

Uma das causas apontadas para a “zoom fatigue” é a sobrecarga do comportamento não verbal: “nonverbal overload as a possible explanation for Zoom Fatigue in both work and social life”. Sim. Também na nossa vida social, os encontros via zoom ou as video call precisam de um time off. No artigo “Nonverbal Overload: A Theoretical Argument for the Causes of Zoom Fatigue”, de Jeremy N. Bailenson, director fundador do Laboratório Virtual de Interação Humana da Universidade Stanford, refere que ao utilizarmos estas plataformas de vídeo estamos constantemente em processo de autoavaliação aumentada. Espelho meu, Espelho meu… aquela ali sou eu? Aponta, ainda, outros fatores como restrições à mobilidade física, a carga cognitiva, o contacto visual fixo com estranhos e os rostos vistos de perto. (uma breve nota ao artigo quando refere que o tamanho dos rostos apresentados dependerá do tamanho do monitor e das opções de visualização que no caso de uma pessoa acordar inchada não é muito agradável… O espaço pessoal. Esse espaço de conforto. Segundo Bailenson, citando Hall, numa reunião de trabalho one-on-one, “anything below about 60 cm is classified as “intimate,” the type of interpersonal distance patterns reserved for families and loved ones”). Mais acrescenta que no Zoom, as nossas caras parecem maiores do que nos encontros físicos. Para ajudar à festa de já termos mais uns quilos em cima de confinamento e acordarmos, muitas vezes, com cara de empadão.

O desviar o olhar numa reunião zoom pode levar à perceção que a pessoa está distraída com outras coisas. O desviar do olhar nos olhos de outros, em presença física, minimizando o contacto visual, pode levar a outras interpretações que não a distração ou desinteresse e pode até ser sexy ou despoletar interesse. Interessante. Zoom is not a sexy thing.

A “fadiga do zoom” no Feminino.

A “fadiga do zoom” afeta todos em geral mas, de acordo com estudo da Universidade de Standford, as mulheres sofrem mais de “fadiga do zoom” do que os homens: “The feeling of exhaustion that comes from a day of back-to-back online meetings – also known as “Zoom fatigue” – is greater for women, according to the researchers’ data. They found that overall, one in seven women – 13.8 percent – compared with one in 20 men – 5.5 percent – reported feeling “very” to “extremely” fatigued after Zoom calls.”

Segundo os investigadores, esta diferença entre mulheres e homens deve-se a uma quantidade excessiva de olhares diretos e à “atenção autofocalizada” (self-focused attention), desencadeada pela pequena janela que nos mostra como os outros não veem e como nos vemos a nós. Como se estivéssemos permanentemente a vermo-nos ao espelho. O que não tende a acontecer em reuniões presenciais. Esta constante autoavaliação pode produzir emoções negativas, nomeadamente a ansiedade do espelho. Mirror, mirror on the screen…

Outra das razões apontadas para um aumento do cansaço do Zoom entre as mulheres é a redução da mobilidade e a necessidade de permanecer centrada no campo de visão da câmara. Passamos os dias sentados ao computador, em que nos esforçarmos para nos manter numa posição fixa e atenta. Durante as reuniões presenciais, as pessoas podem ser mais ativas, falar com o colega do lado, gesticular, ritmar, esticar. A videoconferência limita o movimento.

Os investigadores apresentam algumas soluções para minimizar os efeitos menos positivos da “fadiga do zoom”: alterar as configurações padrão de visualização e desligar a “auto-visualização”; afastar-se mais do ecrã ou desligar o vídeo durante partes das chamadas. Uma chamada de atenção às empresas que podem organizar reuniões sem vídeo, estabelecer um manual com orientações especificas sobre a sua frequência e a duração e realizar mais pausas entre as reuniões. E o uso da tecnologia pode ser um processo empático e agradável. No artigo The Art of Human Connection During a – Crisis – What we’ve learned about virtual gatherings”, de Monika Jiang, a introdução de elementos inclusivos, lúdicos e de interação nas reuniões e encontros virtuais podem ajudar a reduzir a tensão e sobrecarga cognitiva e de informação.

Voltando ao espelho…

“(…) most of us are also staring at a small window of ourselves, making us hyper-aware of every wrinkle, expression, and how it might be interpreted. Without the visual breaks we need to refocus, our brains grow fatigued.”

Quantas vezes não ajeitamos o cabelo, corrigimos a postura ou pensamos se deveríamos ter posto um batom mais ou menos carregado.

No mundo virtual, a comparação social é constante e sempre à distância de um click. Ou de uma janela que se abre. Na montra virtual em que vivemos, a imagem dos outros entra-nos pelos olhos sem filtros. Ou com muitos. Os filtros não nos deixam em paz. A permanente comparação com quem está no outro lado do ecrã e a subsequente autoavaliação que fazemos é um processo que pode causar exaustão, levar a quebras de autoestima e gerar ansiedade. A imagem que se vê no ecrã pode tornar-nos mais vulneráveis e a procurar artifícios que nos acalmem essa vulnerabilidade.

Refletir sobre o conceito de beleza dava para escrever um tratado. Um conceito nada absoluto e por vezes fabricado, principalmente no mundo virtual. A ansiedade que a comparação corporal provoca pode ser minimizada se relativizarmos a imagem que nos devolve o espelho.

A beleza é, também, uma experiência relacional.  Connosco, com o mundo, com os filtros e com o nosso espelho. Cuidemo-nos. Sem stress.

Nota: no estudo apresentado pela Universidade de Standford, os investigadores afirmam que o artigo não deve ser visto como acusatório para a plataforma Zoom nem para outras plataformas de videoconferência, mas sim um alerta para a necessidade de moderação da sua utilização em contexto de trabalho.

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