As coisas deste mundo? Prefiro falar do precipício concreto de um abraço. Manuel de Freitas
Às 00h entraram em vigor as novas medidas de restrição de movimentos. Proibição de saída de concelhos de residência até ao dia 5 de Abril. Restrições à Liberdade de circulação.
Detenho-me, então, na expressão restrição de movimentos. Detenho-me, no entanto, na liberdade de movimentos do corpo. No distanciamento físico-social. Nas restrições ao toque. Na impossibilidade de um abraço.
Num artigo publicado por Mary Halton, “Humans are made to be touched — so what happens when we aren’t?”, cito: “Our bodies are designed to respond to touch, and not just to sense the environment around us. We actually have a network of dedicated nerve fibers in our skin that detect and emotionally respond to the touch of another person — affirming our relationships, our social connections and even our sense of self. So, what happens when we don’t receive that?”
Ser emocional e socialmente responsivo ao toque é biologicamente fundamental. É literalmente uma questão de nervos à flor da pele, ativados por leves toques, movimentos suaves à temperatura corporal…
Já não sabemos muito bem como nos comportar, sem contacto. O toque, como refere o artigo, está (ou estava) embutido na estrutura social das nossas vidas: um aperto de mão, um abraço, uma palmada nas costas, uma mão dada, um beijo. A ausência do toque produziu perdas emocionalmente significativas.
Sem muitas vezes termos consciência disso, na vida Pré-Esta-Pandemia, tínhamos dezenas de pequenos momentos de contacto durante um só dia. Muitos estão a sofrer com esta falta de contacto físico. Acho que todos nós. O toque produz benefícios não só emocionais mas também físicos. Reduz a dor em ambas as situações. Acariciar um animal de estimação, estar totalmente focado quando é possível a presença física, escuta ativa, tempo de qualidade. Algumas estratégias para tentar aliviar os efeitos mais negativos da ausência de proximidade.
“Take a shower or have a warm bath. Although it doesn’t elicit quite the same physiological response as interpersonal touch, Wasling says the slow movement of the water on your skin is likely to generate a CT afferent response. Having a warm bath also relaxes your muscles, which can help to alleviate tension”.
A pele que revelamos.
No quadro La Liberté guidant le peuple, (1830), o pintor francês Eugène Delacroix retratou a Liberdade no feminino, representada por uma mulher que se lança de peito aberto, despido e descalça, guiando o povo. A obra, que combina alegoria e acontecimento histórico (Paris, Revolução de Julho de 1830), tornou-se uma referência maior da luta pela Liberdade.
Confino-me na nudez que apela ao toque. Não só das partes que poderão evidentemente (ou talvez não) despertar a libido e o desejo erótico incontrolável, mas também noutras como umas mãos que se tocam, uns dedos que acariciam a parte de traz do pescoço, a boca que percorre quilometros de pele, os braços que abraçam e os olhos que penetram. Sense of Self num entrelaçar de mãos. Nestes tempos de restrições ao toque, talvez nos reste o olhar (que não se esconde atrás da mascara). O olhar, em espasmos, que penetra no corpo e na alma. Deixemos os olhos destapados. Abracemos com o olhar.
Há quem se sinta atropelado na sua liberdade por ter que usar uma máscara. Há quem sinta que usar uma mascara lhe retira a liberdade. De quê exatamente? Questiono. Mais sinto falta da Liberdade do toque.
Reflito nos tempos Pré-Esta-Pandemia. Quem nunca usou, nem que seja uma vez – uma mascara que lhe tapou a boca da verdade, que mascarou os verdadeiros sentimentos, que colocou a máscara do vazio, que se mascarou de personagens de ficção para não encarar a realidade, que se escondeu atrás de uma máscara ilusória de Liberdade – que atire a roupa ao chão e mostre o peito despido.
Lá voltaremos. Ao toque de alvorada de um abraço.