Saudade. Palavra do Ano de 2020. Para espanto (ou talvez não, ou não fosse uma palavra tão e só Nossa). Conseguiu ultrapassar “covid19” ou “pandemia” no ranking, palavras à partida e à chegada, em melhor posição para receber a medalha de ouro.
Em Março de 2020, o Turismo de Portugal lançou o vídeo Can’t Skip Hope, realizado por Ivo Purvis e redação de João Moura.
A voz do locutor, enquadrada por paisagens naturais e humanas, imagens de beleza intemporal, sem querer ou propositadamente, recitou poesia inspirada em tempos pandémicos. A esperança de mãos dadas com a saudade. Aos meus olhos, pelo menos:
“Chegou o tempo de parar.
Tempo de olhar uns pelos outros à distância.
Tempo de olhar a humanidade nos olhos.
De fazer uma pausa, pelo mundo.
Chegou o tempo de parar.
Tempo de fazer um intervalo para depois nos voltarmos a divertir.
De pensar em todos e não estar com ninguém.
Reiniciar. Recentrar.
Desligar para seguir em frente.
Tempo de mudar o nosso pequeno mundo,
para recalibrar o caminho da humanidade.
Chegou o tempo de parar.
Fomos feitos para estarmos juntos e juntos somos mais fortes.
Mas hoje, separados, estamos mais unidos que nunca.
Por agora, a nossa principal força está em ficarmos distantes.
Chegou o tempo de parar.
Natureza, paisagens, praias e monumentos não vão a lado nenhum.
Vão ficar ali, quietos, à espera de um momento melhor para serem vividos.
E, durante algum tempo, nós devemos fazer o mesmo.
Chegou o tempo de parar.
O momento perfeito para não visitar nada.
Às vezes, para nos erguermos basta ficarmos parados.
Chegou o tempo de parar.
Parar e pensar em nós.
Pensar em todos.
Chegou o tempo de parar.
De nos reorganizarmos como um todo.
Por todos.
É tempo de entender e respeitar os nossos tempos.
Respeitarmo-nos uns aos outros.
Quanto mais rápido pararmos, mais cedo voltaremos a estar juntos.
É tempo de sonhar com aqueles dias incríveis que virão.”
O vídeo foi publicado no canal Visit Portugal, no dia 21 de março. No mesmo dia, no mesmo ano, Audrey Azoulay, Diretora Geral da UNESCO, na sua mensagem por ocasião do Dia Mundial da Poesia, reflete sobre se a Poesia podia salvar a terra, na sua diversidade biológica, e cito “Elaborada com palavras, colorida por imagens, composta segundo uma determinada métrica, a poesia tem um poder sem igual; de agitar o nosso quotidiano e recordar a beleza do que nos rodeia e a resiliência do espírito humano”.
1 ano depois que parecem 10, continuamos parados no espaço e na saudade. A esperança e o tempo, têm dias. As viagens continuam restritas, por todo o lado, para todo o Mundo: travel bans on non-essential travel…
Poeta maior da nossa língua, Fernando Pessoa, escreveu, um dia, nas palavras de um Bernardo Soares, Desassossegado:
“Viajar? Para viajar basta existir. Vou de dia para dia, como de estação para estação, no comboio do meu corpo, ou do meu destino, debruçado sobre as ruas e as praças, sobre os gestos e os rostos, sempre iguais e sempre diferentes, como, afinal, as paisagens são.”
Noutro poema, “Viajar! Perder países!”, de Fernando Pessoa ortónimo, a noção de viagem associa-se à ideia de procura de si mesmo, encontro consigo mesmo, imaginar, divagar, virar-se para dentro de si. Percebo, Pessoa. Muito bem.
Mas também partilho das palavras de Marguerite Yourcenar: “Como a literatura, o amor e a dor, as viagens são uma bela ocasião de nos encontrarmos com nós próprios.”
Anos antes do passageiro indesejado ter começado a viajar pelo mundo, sem controlo de fronteiras nem travel restrictions, um outro vídeo foi lançado com o titulo Can’t Skip Freedom:
“Escuta…
Nós somos do tamanho daquilo que vemos e não do tamanho das coisas que temos.
Um Homem precisa de ver com os próprios olhos,
caminhar o mundo com os próprios pés,
ter o sol a queimar-lhe as costas e a estrada a queimar-lhe os pés.
O que é pior, o vento gelado do topo da montanha ou o calor escaldante de uma planície?
Só há uma forma de descobrir.
Ver tudo isto com os nossos próprios olhos e não pelos nossos telemóveis inteligentes…
Precisamos viajar para lugares que não conhecemos para quebrar a nossa arrogância
que nos faz professores e doutores do que não vimos,
quando deveríamos manter-nos humildes,
e curiosos como estudantes
e simplesmente partir à descoberta.
Por isso, navega para longe do porto, deixa que o vento sopre nas tuas velas e explora, sonha e descobre.
Acredita que o céu te vai parecer muito mais azul.
E quando nada acontece, viaja para que algo aconteça”.
Viajaremos outra vez. É essencial. Mas seremos os mesmos? Teremos viajado de fora para dentro? Aprendemos alguma coisa sobre nós e sobre o Mundo? O que levaremos na bagagem na nossa próxima viagem? Uma mala de porão de vinte quilos, uma mala de cabine de oito, uma mala que cabe debaixo do assento? Quantos carimbos de Humanidade cabem num Passaporte de Imunidade?
Até lá, até já… Can’t Skip Saudade, Can’t Skip Hope, Cant’ Skip Freedom of mind.
Imagem: Atlas Mondial des Préjugés, de Yanko Tsevetrov (2017)