No fim do último debate presidencial, com todos os candidatos, aquando das observações de cada um dos participantes, Ana Gomes reclamou que estava um frio de morrer no local escolhido para o debate, que não se conseguia sentar nas cadeiras (na verdade eram mais bancos altos com costas), e que uma mulher faria a diferença, porque o cenário certamente tinha sido criado por um homem – implicando que uma mulher não escolheria um cenário impraticável para, pelo menos, alguns dos participantes.
Claro que houve reação nas redes sociais, e alguma dela indignada. Mas a verdade é que é uma observação que deve ser feita. E, tendo em conta que todos existimos permanentemente em ambientes e em relação com temperaturas ambientais, objetos, etc., não é assunto de somenos referir a tendência para desenhar e criar ambientes que respondem às necessidades dos homens mas são hostis para as mulheres. É só mais um caso em que os homens são tomados como o padrão da humanidade, o tipo certo de pessoas, e as mulheres (que são ligeiramente mais numerosas que os homens) um desvio a esta boa norma, umas maçadoras que reclamam mas faziam bem em se adaptarem àquilo que foi desenhado para as pessoas normais, i.e., os homens.
O objetivo? É muito evidente: colocar as mulheres em ambientes que as desfavoreçam. Deste modo, na competição profissional, é mais uma vantagem que os homens têm e uma desvantagem, a juntar aos restantes milhões, vertida em cima das mulheres. E uma forma (pouco) subtil de afirmar que o mundo é dos homens, deve ser dos homens e as mulheres são intrusas que, querendo integrar-se, têm de se modificar e tornar-se one of the boys.
Vejamos dois exemplos.
Devido ao metabolismo feminino, os ambientes com temperaturas frias (preferidas pelos homens, mais calorentos) provocam quebra na produtividade das mulheres e desempenhos cognitivos piores que os observados em ambientes com temperaturas mais altas. Apesar deste desconforto das mulheres em escritórios frios, que lhes piora o desempenho, geralmente os ambientes ficam mesmo frios, porque claro que têm de ser colocados de acordo com as preferências masculinas. Em vez de uma solução que seja adequada para todos – temperaturas mais altas e homens vestidos sem casaco ou de manga curta – escolhe-se a solução que prejudica mulheres. Ana Gomes teve toda a razão em reclamar do frio.
Os escritórios open space também são particularmente desvantajosos para as mulheres. Há estudos que mostram deficiência dos open spaces para toda a gente, paradoxalmente diminuindo a interação direta entre as pessoas. Para as mulheres há mais desafios. Sentem-se mais observadas e avaliadas, incluindo quanto à apresentação e a roupa, muitas vezes alterando a forma de vestir por trabalharem à vista de toda a gente. Não é imaginação: as mulheres são mesmo mais observadas e avaliadas em todos os contextos profissionais, e sob todas as vertentes. Por outro lado, havendo esta maior observação e avaliação, resultante da maior visibilidade, há uma tendência para se mostrar que se está a trabalhar e, portanto, trabalha-se mais tempo – ou, mais correto, fica-se mais tempo no escritório, provavelmente a inventar para se ser visto aparentando trabalhar. Sendo a conciliação da vida profissional com a vida familiar particularmente madrasta para as mulheres (uma vez que desempenham ainda a maioria das tarefas domésticas e cuidadoras), organização de escritórios em open space é mais um fator que dificulta a vida às mulheres.
Tenho a certeza que não é com esse objetivo que são desenhados os escritórios. Porém também estou certa que ninguém pensará mudá-los por não se adequarem às necessidades das mulheres.
Nem preciso referir os problemas que vêm com mobiliário profissional de altura ou dimensão adequadas ao homem médio – e, portanto, não às mulheres médias. Em televisão, e sobretudo uma televisão pública, acresce a obrigação de escolherem objetos onde a imagem de mulheres fique tão adequada como a dos homens. Podendo as mulheres usarem saias ou vestidos, não entendo como se escolhe um banco alto, onde uma mulher se teria de empoleirar, como cenário para um debate. Que génios.
Por isso, sim, foi uma boa observação da candidata. E é uma discussão que temos de ter. Os ambientes importam, porque condicionam todos os nossos momentos. Não temos de nos adaptar ao mundo desenhado para homens. Temos de exigir que o mundo seja desenhado para todo/as.