Paula Sousa Cardoso, uma pintora que sobrepõe dimensões e distâncias

0
Paula Sousa Cardoso na Galeria Arte Periférica

Descobri a obra de Paula Sousa Cardoso numa ida ao CCB, um daqueles passeios de fim de semana com os meus filhos. Na Galeria Arte Periférica estava a exposição da pintora de dezembro de 2018, De Amor e Luxúria. Os quadros transportavam-nos para o imaginário do filme Marie Antoinette de Sofia Coppola, para as cores bombom, para a gulodice exuberante e para a tentação e o desejo (a tal luxúria) da evocação cinematográfica da icónica rainha de França. Também continham viagens no tempo (como, de resto, o filme de Coppola), como se sobrepusessem realidades temporais diferentes no mesmo local, como se condensassem os séculos na mesma tela.

A presente exposição, O Outono em Pequim, também na Arte Periférica, tem representações diferentes. Mas as linhas de continuidade estão lá. Há menos imagens humanas, mais representação de interiores e exteriores – onde, supomos, vivem pessoas, mas que não vimos. O que cria alguma ansiedade/curiosidade. Onde estão? Quem são? Porque se ausentam da tela? Porém, novas sobreposições de distâncias se observam. Distâncias temporais – uma casa atual convive com A Rapariga do Brinco de Pérola, de Vermeer, por exemplo – bem como distâncias mesmo de quilómetros – a selva que coexiste com outra sala, o tigre que figura numa imagem de casa com piscina. Não sabemos se são memórias de quem habita a casa, se são continuidades do mundo nas descontinuidades do espaço e do tempo.

‘É por tudo isto que pinto e desenho, porque posso representar (voltar a apresentar)
elementos que, apesar de pertencentes a diferentes dimensões, coabitam numa
mesma dimensão: a minha. Como se fossem sonhos que se misturam e se
diferenciam das minhas outras pessoas: a mãe, a mulher, a filha, a professora do
ensino secundário de Artes Visuais…’, conta Paula Sousa Cardoso, com quem conversámos. ‘Deste modo descrevo a minha obra, composições de elementos díspares e improváveis que constroem narrativas aparentemente absurdas.’

A pintora, nascida em 1974, mãe de duas ‘filhas lindas’ adolescentes, casada, residente em Santarém, cuidadora de uma Grand Danois ‘azul, gigante e adorável’, licenciou-se em Artes Plásticas-Pintura na Faculdade de Belas-Artes de Lisboa. Continuou a estudar. Foi a primeira mulher a obter o grau de Mestre em Pintura numa faculdade em Portugal.

Da exposição atual, diz: ‘A maior parte dos cenários apresentados não ocorre nem no outono nem em Pequim. Contudo, outros sim, houve, de facto, uma ida a Pequim no outono de 2017. Uma viagem de trabalho, em conjunto com os galeristas Anabela e Pedro Reigadas e outros artistas para expor no Beijing Minsheng Art Museum, numa
parceria entre a Arte Periférica, a Fundação Oriente e o Ministério da Cultura Chinês.
As obras já haviam sido expostas em Dunhuang em setembro. Foi uma viagem
inspiradora que me permitiu recolher muitas imagens e visitar lugares místicos. O
fascínio pelo Oriente vem desde cedo…
Assim surgem elementos obviamente “capturados” em Pequim que cordialmente
convivem com outros elementos da cultura portuguesa, por exemplo. Imagens que
se emaranham e se confundem, histórias fictícias que se tornaram reais depois de
muito contadas; narrativas desconfortáveis devido à ausência de sentido; imagens
que, mesmo descontextualizadas, fazem perdurar as memórias.’

A ligação à Galeria Arte Periférica – ‘aquela galeria que eu visitava quando ainda era estudante de artes do secundário’ – aconteceu em 1999, quando foi convidada para participar numa exposição coletiva. Desde então sucederam-se as exposições, coletivas e individuais.

Pinta ‘porque não poderia viver sem o fazer’, ambição dos tempos de criança, quando sonhava ser estilista ou artista, uma vez que ‘adorava desenhar e tinha muita imaginação’. Porém a carreira mais consensual de médica era preferida pela sua família: ‘foi para contrariar a família, que me “encorajava” a seguir Medicina, que enveredei pelas Artes’.

Perguntando-se pelas suas referências, declara: ‘inspirada por Boris Vian, referência do passado de uma das minhas outras pessoas, remeto para a construção de um cenário que constrói narrativas algo absurdas, incongruentes e utópicas… construir uma estação de comboios no meio de um deserto, linhas ferroviárias que não têm destinos certos, definidos, é pura ficção como é rigorosamente uma metáfora da vida’.

Paula Sousa Cardoso

A exposição O Outono em Pequim está na Galeria Arte Periférica até 5 de novembro.

Texto de Maria João Marques.

Deixe um comentário. Acreditamos na responsabilização das opiniões. Existe moderação de comentários. Os comentários anónimos ou de identificação confusa não serão aprovados, bem como os que contenham insultos, desinformação, publicidade, contenham discurso de ódio, apelem à violência ou promovam ideologias de menorização de outrém.

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.