Catarina Lira Pereira, artista plástica com uma carreira que inclui já presença abundante em galerias e exposições nacionais e internacionais dos dois lados do Atlântico (incluindo a glamourosa Saatchi), atualmente mãe de uma bebé, tem uma nova exposição na Sala de Exposições Temporárias do Museu Amadeo de Souza Cardoso em Amarante – cidade amorosa, de resto, com as suas pastelarias com esplanadas nas traseiras mesmo em cima do rio Tâmega, a Ponte de São Gonçalo, a catedral e a famosa Casa da Calçada. Valem bem a visita – nestas férias de ‘vá para fora cá dentro – tanto a cidade como a exposição de Catarina Lira Pereira.
A artista mostra-nos obras onde ela própria está presente, bem como pessoas da sua vida, tornando a exposição uma experiência autobiográfica e confessional. Usa as suas vivências como material para a sua criação artística, algo muito na linha de várias artistas mulheres contemporâneas. Podemos lembrar as instalações de Tracey Emin, com as frases que exorcizam momentos da sua vida, ou com a sua cama desarrumada numa altura de crise. Mas estes momentos autobiográficos de Catarina Lira Pereira não são evidentes, escondem-se sob camadas de interrupções coloridas que impedem ou dificultam a perceção do que fica por trás.
Leiam as palavras que Catarina Lira Pereira escreveu para a exposição “Review” – e não deixem de a visitar.
‘Numa tentativa de imortalizar alguns momentos, de reviver a presença das pessoas que mais admiro, que me inspiram ou influenciaram e de locais que me marcaram, reconstituo exaustivamente imagens que me trazem de volta aquela peculiar atmosfera nostálgica. Somos o que somos, resultado do nosso passado, que permanece e se manifesta mentalmente ao longo de representações nebulosas.
Entre narrativas interrompidas e numa forte relação entre a fotografia e a pintura, a partilha de um conteúdo autobiográfico e de um universo privado cria uma comunicação emocional com o espectador, que fica confontado com todo um espírito de abertura, com um ambiente familiar e lúdico.
Simular frustadas tentativas de visualização de imagens do passado resultou num jogo plástico entre revelação e ocultação, gerando uma profundidade ambígua. Dentro de um confronto e quebra entre tridimensionalidade e bidimensionalidade, os dois géneros fundem-se numa composição exuberante, dinâmica, aparentemente caótica, e ainda assim sustentada por uma disposição racional. Convido-vos a tomar parte desse complicado jogo, assimilando a ilusão de memória visual de momentos precisos da minha vida. Conduzidos ao longo de uma série de passagens e bifurcações, oscilando entre o todo e o pormenor, poderão completar mentalmente as imagens. É a percepção de toda esta complexidade pictórica que acaba por se tornar no ponto fulcral do processo deste meu trabalho.
Review é uma homenagem a momentos extremos.’
‘‘Review’’, de Catarina Lira Pereira foi inaugurada a 11 de julho e está patente até ao próximo 30 de agosto de 2020 na Sala de Exposições Temporárias do Museu Municipal Amadeo de Souza-Cardoso, em Amarante.
Texto de Maria João Marques. Fotografias de Gilberto Colaço.