Nos tempos de confinamento, talvez pela maior disponibilidade de tempo para cirandar por jornais e redes sociais (e pela incapacidade de uso desse tempo para algumas atividades criativas produtivas, que pelo menos no meu caso o confinamento foi um tempo que sufocou boa parte do ímpeto criativo), dei por mim a concluir: há muitos homens por todo o lado a botar opinião que não vale nada.
O perfil é parecido em todos os casos. Homens escrevendo ou falando com grande exibição de confiança, transbordando a convicção que claramente têm de que são geniais, seminais, os píncaros da massa crítica nacional. Como somos um país de gente pouco culta, pouco lida e sem grande espírito crítico – mesmo os que consomem opinião como se não houvesse amanhã – estes opinadores auto-confiantes têm uma grande claque de seguidores, muitas partilhas e grandes encómios lhes são dirigidos.
A opinião também anda na mesma linha. É feita de frases e objetivos grandiloquentes, sempre muito gerais, nunca concretizados. Diminuir a pobreza, dar às pessoas boas condições de vida, melhorar os transportes públicos, endireitar os serviços públicos, acabar com a corrupção, por os cidadãos a participar na política e na sociedade. Por aí. Uma espécie do cliché da candidata a Miss Universo que quer acabar com a fome no mundo. Como? Não sabemos, porque estas almas não concretizam. São mestres da generalidade e da banalidade.
Tendem para o moralismo no seu discurso. Sobretudo dão uma opinião sempre preguiçosa: não linkam nem postam artigos interessantes que não sejam daqueles já virais que apanharam nas redes sociais (donde, não fazem leitura própria diretamente de fontes); não há nenhuma referência a pesquisa académica ou a estudos estatísticos que fundamente as suas opiniões (ou, melhor, as suas generalidades); por vezes apresentam mesmo opinião requentada, copiada de outros, algumas vezes de cronistas americanos outras vezes mesmo de material português (já tive posts do meu facebook usados como inspiração de crónicas, em que os inspirados claro que não referiram a sua fonte – moi – nem se deram ao trabalho de ir verificar os estudos e os números que eu referia).
Fora os casos em que não fazem ideia do que falam – há poucas semanas um comentador high profile com espaço semanal numa televisão conseguia inventar que o Black Lives Matter ‘em Inglaterra’ era um movimento com programa escrito; era a ‘autora do Harry Potter’ (não devia saber o nome) tinha escrito ‘um conto’ que desagradou a lésbicas e transexuais (bom, transexuais fazem de facto parte da história); na verdade, era alguém que apesar de comentar na televisão nem se deu ao trabalho de se informar do que iria falar.
Estas pessoas que refiro não são os anónimos maluquinhos das redes sociais. É certo que os casos nos jornais e televisões de homens com esta opinião banal, desinformada e preguiçosa são mais escassos e longe de maioritários – mas existem. Dei o exemplo de um comentador semanal de uma tv, não é caso único na televisão, e há mais uns tantos nos jornais. Mas verifica-se muito nos opinadores masculinos das redes sociais que ocasionalmente e facilmente têm acesso aos media.
E portanto, voltando ao meu confinamento, pensava ‘porque carga de água há tantos homens a falarem sem acrescentarem nada?’. E, claro, cogitava também ‘onde estão as opiniões de mulheres, que seguramente seriam com facilidade melhores que estas?’
Não tenho dúvidas que as mulheres são condicionadas para ficarem caladas, na mesma medida em que se dá a informação aos homens que qualquer pensamento irrisório que eles profiram é uma pérola filosófica de calibre cartesiano pelo menos. E o público que lê e ouve – mulheres e homens igualmente condicionados – tem mais bonomia com as opiniões masculinas e maior acrimónia com as opiniões femininas, sobretudo quando dadas em tom assertivo e pondo em causa os lordes masculinos do universo. Por outro lado, o ódio e abuso das redes sociais é forte e nem todas estão para tolerar gente descompensada, grosseira e desonesta. Por fim, talvez haja muitas mulheres interessantes dando opiniões pertinentes e assertivas. Sucede que, tendo menos acesso aos media, não ganham élan e ficam no seu reduto de amigos, ignoradas de públicos mais numerosos.
Em todo o caso o panorama é este: muitos homens a darem os seus pontos de vista sobre o mundo, condicionando desta forma a visão de todos, mulheres e homens, sobre o mundo, porque a narrativa maioritária é masculina; muitas opiniões masculinas de francamente má qualidade; e uma comparativa ausência de vozes e pontos de vista femininos, desde logo porque quando existem são desconsiderados e ignorados.
É um estado de coisas malsão. Pela Capital Mag fazemos o esforço de dar voz a mulheres – e homens também com opinião de qualidade – porém passa pelos atos de todos a mudança. Não vale a pena aplaudir opiniões desinteressantes só porque são masculinas. E ganhamos todos se nos esforçarmos por ouvir opiniões de mulheres – que, calhando, já são proferidas mas não têm audiência.