“O quê???!!! Já são sete-e-meia?!!! E ainda não comeram?!!!! E lavar os dentes? Saímos daqui a 15 minutos! Não podem chegar atrasados à escola!”.
Tic-tac, tic-tac, tic-tac…
9:00h. Entro com um bom-dia apressado. Poiso as malas e o casaco. Sento-me. Olho para o meu ‘sem-ele-eu-não-era-nada’. Está a ‘arrancar’. “Alguém quer café?” Corro alguns passos até à máquina. Espero pelos 3 cafés. Noto que algo na minha saia não está bem. Parece uma nódoa. Seja o que for vai ter que ficar para depois. Distribuo os cafés, acompanhados por duas frases desatentas. Finalmente consigo chegar aos e-mails. Bolas! Esqueci-me que tinha uma reunião a começar às 9:00h. Largo o café ainda quente. Pego no meu “mais-que-tudo” e num bloco de notas. Apresso o passo pelo corredor. Subo as escadas. Abro a porta já fechada. Peço desculpa. Recomeçam. Todos têm café. Tento deixar de pensar na nódoa na saia e concentrar-me no que dizem. Acabou. Do alto dos meus saltos desço as escadas a medo.
10:15h. Sentada, finalmente, à secretária. “Alguém quer café?”.
Tic-tac, tic-tac, tic-tac…
12:00h. Almoço desajeitadamente ao lado do teclado. Mais um café. Desta vez acompanhado por um sem número de emails. Vem um alerta. Outra reunião em 5 minutos. Fico indecisa entre a impressora ou a W.C. Corro para a impressora. Aguento. A W.C. vai ter que ficar para depois. Tal como aquela nódoa. Alguém está atrasado. Esperamos.
Tic-tac, tic-tac, tic-tac…
15:00h. Novo e-mail. É urgente. Corro para a impressora. Marco nova reunião. Só consigo quorum para amanhã ao final do dia. Desmarco outra reunião que já tinha para o mesmo final de dia de amanhã.
Tic-tac, tic-tac, tic-tac…
17:00h. Leio e releio. Tomo notas entremeadas por trinta simpáticas interrupções.
Tic-tac, tic-tac, tic-tac…
19:00h. Acabei as notas para amanhã. Os emails vão ficar para mais tarde.
Tic-tac, tic-tac, tic-tac…
19:30h. Entro no carro. Aproveito para pôr os telefonemas em dia. Aviso que chego numa hora.
Tic-tac, tic-tac, tic-tac…
20:30h. “Olá, Olá!”. Poiso as malas e o casaco. “Então e as crianças? Já dormem??!!! Bem…”
21:00h. Como de pé na cozinha um resto de um jantar desinteressante esquentado no microondas.
Tic-tac, tic-tac, tic-tac…
21:30h. Salto para a secretária. Ligo o ‘sem-ele-eu-não-era-nada’. Vejo outra vez os emails. Depois compras online. De supermercado. De presente de anos para um amiguinho da filha mais nova. De uns ténis para o mais velho que os dele romperam-se hoje a jogar futebol na escola. De uma gabardine para mim que o tempo não está para brilhar.
Tic-tac, tic-tac, tic-tac…
23:30h. Vou para cima. Mudo de roupa. Afinal era mesmo uma nódoa aquilo na saia. Tenho que a levar à lavandaria. Será que posso enviar por correio?
Tic-tac, tic-tac, tic-tac…
Não há muito tempo atrás, o tempo andava assim. Sem tempo. Não se sentiam as horas, mas o tic-tac desenfreado que nos fazia dançar uma dança da qual não conhecíamos todos os passos.
A mim, mesmo sem saber de onde partia e onde queria chegar, este tempo dá-me muito que pensar… Penso no que comemos, penso no que fazemos, no que vestimos…
Mas penso sobretudo no tempo. No meu tempo. No tempo que o relógio todos as manhãs nos dá. Que não estica. Que nunca sobra para levar para outro dia. E penso em que gasto eu o meu tempo e se é realmente nisso que o quero gastar.
Pensei então no tempo que levo a organizar a roupa de que não preciso, a limpar os sapatos que quase não servem, à procura da bijuteria que se acumula, a dispor dos cremes que nem uso, a trocar de mala…
Nos minutos a ordenar os livros que já li e que nunca vou reler, os CD que nunca oiço, a limpar os objectos que me estorvam…
Nos dias a arrumar os brinquedos com que quase nunca se brinca, os puzzles que raramente se fazem, aquelas bonecas antipáticas…
Nas horas perdidas no trânsito, em reuniões inúteis, a ler emails sem conteúdo, em telefonemas da ‘treta’.
Nos segundos investidos a beber aquele vinho que nem se aprecia, a cozinhar comida que não nos inspira, a cortar um pão que nem sabe a nada…
Tic-tac, tic-tac, tic-tac…
Segunda-feira. Acordei. Deixo-me ficar 10 minutos. Parece que está um bocadinho de sol. Uma nuvem espreita. Mais outra. E outra. Olho para a porta entreaberta do meu roupeiro. O que me apetece vestir hoje? Hummm…. Talvez aquele vestido verde…? Ou a saia preta? Hummm…. Apetecia-me mesmo era comprar aquela saia azul que vi online. Hummm….
Levanto-me. Hoje sinto-me assim verde-cinza-com-vontade-de-disfarçar-com-um-splash-de-cor-dado-pela-saia-que-não-tenho. Mas continuo. Não cedo. Tomo por pequeno almoço as sobras das panquecas de batata doce com aveia de ontem. Deliciosas. Um chá de gengibre seguido de um café com algumas nozes de companhia. Fico acordada.
Subo. Saludo o sol num Yoga que antes estava esporadicamente reservado para um ginásio qualquer. Tomo duche. Continuo. Visto uma coisa confortável e ponho um colar feito pelas crianças para me dar cor e me fazer rir.
Desço. A vida da casa já começou. E a minha vai começar agora.
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“Não procures, Leucónoe – ímpio será sabê-lo -, que fim a nós os dois os deuses destinaram; Não consultes sequer os números babilónicos: melhor é aceitar! E venha o que vier! Quer Júpiter te dê ainda muitos Invernos, quer seja o derradeiro este que ora se desfaz nos rochedos hostis do mar Tirreno, vive com sensatez destilando teu vinho e, como a vida é breve, encurta a longa esp´rança. De inveja o tempo voa enquanto nós falamos: trata pois de colher o dia, o dia de hoje, que nunca o de amanhã merece confiança.” Ode a Leucónoe, in Odes I, 11.8, Horácio, 23 a.C. – tradução de David Mourão-Ferreira in Vozes da Poesia Europeia I, Revista Colóquio Letras, Tradução de Poesia nº163, Jan. 2003, p.103.
“Tu ne quaesieris – scire nefas – quem mihi, quem tibi finem di dederint, Leuconoe, nec Babylonios temptaris numeros. ut melius, quidquid erit, pati. seu pluris hiemes seu tribuit Iuppiter ultimam, quae nunc oppositis debilitat pumicibus mare Tyrrhenum: sapias, vina liques et spatio brevi spem longam reseces. dum loquimur, fugerit invida aetas: carpe diem quam minimum credula postero.”