Samantha Power começa a sua autobiografia com um aviso. Os leitores serão confrontados com uma história que mistura dor, resiliência, raiva, solidariedade, determinação e riso, mas, acima de tudo, com uma história que apresenta o idealismo, “de onde vem, como é desafiado, e porque razão deve perdurar”.
Em 1979, com nove anos de idade, Samantha chega aos Estados Unidos deixando para trás a Irlanda e um pai amado mas quebrado pelo álcool. A culpa de abandonar o pai transforma-se numa dor permanente, só adormecida pelo reconhecimento que há quem tenha vidas piores no mundo, cabendo-lhe a ela, Samantha, a obrigação de os tentar salvar.
Ainda jovem, parte para a Bósnia onde vive como jornalista independente. Convive com bombardeamentos e com o desaparecimento de amigos, relatando histórias de famílias já sem lágrimas perante o hábito da morte. Dos seus artigos lança apelos à administração Clinton para travar crimes contra a humanidade. Em 2002, sintetiza a sua missão de vida num livro “Um problema do Inferno: a América e a idade do Genocídio”, que lhe vale um prémio Pulitzer.
Envia o livro, como cartão de visita, a um jovem senador promissor, Barak Obama, a quem se oferece para trabalhar para fazer mais pelo mundo. Trabalha com Obama, primeiro em Washington, depois na Casa Branca e, entre 2013-2017, como Embaixadora dos EUA nas Nações Unidas. Nesta transição de jornalista, ativista dos direitos humanos, para o palco da diplomacia mundial da ONU, Samantha confronta-se com as dificuldades de concretizar aquilo que sempre exigiu aos outros.
Publicado em 2019, “A Educação de uma Idealista” é uma autobiografia política de leitura compulsiva porque mistura, com mestria narrativa e rigor jornalístico, três perspectivas distintas. A primeira perspectiva oferece uma visão privilegiada sobre o desenrolar de factos políticos. A segunda apresenta os dilemas internos de Samantha, quando colocada perante difíceis tomadas de decisão. A terceira descreve uma mulher que tenta conciliar uma vida profissional ambicionada, mas intensa, e uma vida pessoal desejada, mas exigente.
Entre a jornalista, a representante da nação, e a mulher, Samantha encontra-se numa única voz plena de emoções. Relata, com tristeza, os tratamentos de fertilidade efectuados entre reuniões na Casa Branca. Conta, com humor, a necessidade de escapar a um encontro com Suu Kyi, Obama e Hillary, em Burma, para retirar, à bomba, leite materno. Relembra, com amargura, o episódio da morte de uma criança atropelada por um despiste da sua comitiva nos Camarões. Apresenta, com orgulho, vitórias, como o papel crucial da ONU no esforço global para combater a epidemia do Ébola. Não esconde fracassos, identificando a incapacidade dos EUA perante irrefutáveis evidências do ataque químico pelo regime de Bahar al-Assad sobre as suas próprias populações.
Hoje, com os desafios inéditos que a pandemia coloca a todas as nações, é uma boa altura entender o idealismo, de onde vem, como é desafiado, e porque razão deve perdurar. Na reconfiguração do “novo normal”, hoje é uma boa altura para ler Samantha Power.

Filipa Roseta, Arquitecta e Deputada do PSD à Assembleia da República