As crianças em risco continuam em risco durante a quarentena

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Está estabelecido na opinião geral que a quarentena imposta que vivemos não é igual para todos. Por questões de saúde pública e para evitar mortes, e esgotamento dos serviços de saúde, e mais mortes, temos de estar confinados em casa, e eu concordo com a medida. Mas nem todas as casas são iguais. Nem falo das dificuldades de quem está em tele trabalho e tem filhos em casa que precisam de atenção e comida e vigilância, ainda com acréscimo de limpezas e roupas e uma casa mais bagunçada pela constante presença dentro dela dos seus habitantes.

Também não me refiro às vicissitudes de ter crianças e adolescentes com aulas à distância, com pais a servirem de educadores – quando podem não ter instrução para tal, tempo (porque estão em tele trabalho ou mesmo trabalho fora de casa), ou não fazerem ideia dos programas atuais. Estes casos, apesar de poderem desafiar, são apesar de tudo geríveis.

A quarentena deixa de ser rosada em se tratando de casas demasiado pequenas para o números de habitantes ou com más condições. Estar confinado durante um mês ou dois numa casa exígua, fria, escura, húmida, sem condições de conforto a que nos habituámos como mínimas – não é certamente pêra doce.

A quarentena torna-se de pesadelo quando mulheres e crianças estão fechadas em casa com adultos abusivos. Seja com companheiros que sejam agressores domésticos, seja com pais abusivos – violentos ou abusadores sexuais -, seja com pais negligentes. As mulheres vítimas de violência doméstica podem pelo menos pedir ajuda em casos extremos – há um número de sms para responder a estes casos durante a quarentena, bem como um email. E abriram mais duas casas de abrigo para mulheres vítimas dos seus parceiros.

As crianças não têm sequer esta possibilidade, e estão agora à mercê de pais em que não se pode confiar. Tudo apontaria para que se reforçassem as vigilâncias possíveis, uma vez que o controlo normal da escola (está vestido com roupa adequada? tem nódoas negras? faz queixas do que se passa em casa?) é por agora inexistente.

Mas, inexplicavelmente, as visitas às crianças em risco diminuíram, por uma questão de proteção de assistentes sociais. Por agora o controlo é feito telefonicamente, com menos visitas. O que coloca as crianças em risco num perigo inaceitável. Entendo que seja necessária proteção para as assistentes sociais – máscaras, luvas, toucas, o que seja. Mas as visitas têm de continuar. As crianças em risco não podem estar entregues à sua sorte.

Existe uma pandemia, mas os trabalhos essenciais continuam. Entre eles tem de estar a vigilância adequada das crianças que, por estes dias, estão ainda mais em risco. É bastante vergonhoso que pessoas que trabalham com crianças não tenham atenção à especial vulnerabilidade delas.

É oinenerrável sindicalista Nogueira que não quer as escolas a acholherem durante o dia os filhos dos profissionais de saúde e de setores essenciais que não têm outro local para deixar os filhos. (As escolas também continuam a fornecer refeições a alunos de famílias carenciadas.) São as auxiliares e educadoras de uma associação que se ofereceu para aceitar uma criança filha de uma enfermeira e que, para não contactarem com a criança, estranhamente entraram todas de baixa médica simultaneamente. Impressiona que num tempo em que tanto temos a agradecer a todos os profissionais de saúde, que correm perigos acrescidos de contágio que não são de somenos, haja esta mesquinha retribuição de outros profissionais, para mais envolvendo crianças e adolescentes.

E é o estado que prefere proteger adultos que se conseguem resguardar a proteger crianças vulneráveis. Se nos sindicatos e trabalhadores privados escandaliza o egoísmo e devemos estender-lhe censura social, no estado – esse organismo que existe para assegurar a prossecução do bem comum – não se pode aceitar de todo.

 

 

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