Nadando como um salmão

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Se vamos viver em viveiros temos que conhecer as regras.

Faz tempo, mais de um par de anos, já a inteligência artificial era uma expressão muito vulgarizada nos seminários de tecnologia, mas ainda muito poucos conheciam um exemplo que tivesse resultado num sustentado modelo de negócio. Foi quando, na conversa com um consultor alemão tive o primeiro vislumbre de um verdadeiro negócio industrial com aplicação massiva de big data e inteligência artificial conjugados, numa indústria e a uma escala que não pensava possível.

Um dos maiores negócios da indústria de química fina alemã (farmacêutica) é a gestão sanitária das industrias de produção animal, no caso que me foi relatado, a criação de salmão no mar do Norte, na Noruega. Ao que me explicaram o salmão é um peixe muito sensível, e a criação em viveiros com muitas centenas de milhares de peixes provoca enormes taxas de mortalidade – as epidemias são um risco sistémico enorme. As contaminações são provocadas por todo o tipo de microrganismos, nomeadamente bactérias, muitas vezes trazidas do hemisfério sul.

As industrias químicas que fazem a gestão fitosanitária têm modelos de negócio suportados em contratos de pagamento por desempenho, isto é: as empresas são pagas com base em indicadores ligados à taxa mortalidade dos peixes. Para isso, equipas de biólogos, epidemiologistas e bioquímicos fazem a gestão directa da administração no meio aquático de antibióticos e outros químicos para que as taxas de mortalidade se mantenham sempre no limite do contratado. Mas não é suficiente, como todos os anos aparecem novas epidemias e há a mutação dos microrganismos, as quantidades administradas são permanentemente reforçadas e obrigam também ao contínuo desenvolvimento de novos produtos.

Foi quando a tecnologia permitiu uma superior capacidade de computação que o modelo de negócio mudou radicalmente para estas empresas.

Neste exemplo que me foi relatado foram instaladas muitas centenas de câmaras de filmar nos viveiros que registavam permanentemente o perfil de natação dos peixes. E os muitos milhões de frames que as câmaras registavam eram enviados em tempo real para serem analisados por poderosos computadores, com algoritmos que se aperfeiçoavam, e capazes de identificar um peixe com um perfil de natação impróprio (doente). E este peixe e todos aqueles que tinham estado na sua proximidade eram imediatamente identificados e isolados – no essencial, o mesmo método que aplicamos nos pequenos aquários, aplicado a uma escala industrial.

Os resultados foram de tal forma extraordinários que o mais surpreendente não é a sofisticação tecnológica do caso, mas sim a mudança do core da indústria, passou de uma indústria de base química para uma de base tecnológica.

Recordei este exemplo, não para expor as maravilhas da tecnologia, até porque hoje existem muitos exemplos bem mais sofisticados, mas para reflectir – se os humanos querem continuar a viver em viveiros, onde o risco sistémico é muito grande, porque a interligação e a partilha do meio ambiente e recursos é também grande, as drogas não chegam, são uma tecnologia de eficácia limitada em determinadas fases destes fenómenos (epidemias), devem ser uma tecnologia de prevenção (vacina) ou então terapêutica de último recurso.

Se queremos continuar seguros, com a nossa baixa tolerância ao risco, num sistema tão interdependente, e num contexto de globalização vamos sentir uma enorme pressão para ceder o controlo de parte importante da nossa vida, nomeadamente os nossos dados biomédicos, mas outros se seguirão, o exemplo da China e de Israel são disso prova – a distopia já começou.

A regra do viveiro é: nade como um salmão, adernou saiu de jogo.

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