Estados Unidos: só homens a lidar com o coronavírus custa vidas

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Nos Estados Unidos – que já tiveram, na altura em que escrevo o texto, 9 mortes por coronavírus e têm um número incerto de afetados porque um teste custa milhares de dólares e evidentemente poucos vão fazer o teste e não há sistema público de saúde que faça testes gratuitamente – a resposta da Administração Trump à doença foi atribuída ao vice presidente Pence. O que é, claro, receita para a desgraça. Não só porque este político já respondeu a uma crise de HIV no seu estado recomendando oração, mas também porque juntou uma equipa constituída só por homens.

(De resto vem do política ultra conservador que não aceita estar em situações profissionais sozinho com outra mulher, deste modo impedindo mulheres de acederem a situações profissionais que estão abertas aos homens. Hábito que deveria ser proibido em qualquer cargo paga com dinheiro dos – e das – contribuintes.)

Parece – para mentes pouco elásticas – uma teimosia feminista excessiva reclamar a presença de mulheres na liderança de resposta a uma possível pandemia. Mas não é. Em boa verdade, é mesmo uma exigência que salva vidas. Não se trata só do esforço que foi feito para excluir o conhecimento técnico de muitas mulheres que estariam mais que preparadas para decidir e aconselhar sobre a doença ao nível mais alto – o que é em si mesmo um esforço para piorar a qualidade da equipa e da decisão.

É, sobretudo, devido a dois fatores.

Um. As questões de saúde que têm impacto nos corpos das mulheres são consistentemente desvalorizadas. Não temos normalmente noção disso, mas é uma realidade terrível – e verdadeira. Aconselho o livro Invisible Women, da Caroline Criado Perez para obterem dados sobre esta desigualdade na investigação e cuidados de saúde entre homens e mulheres. Desde os sintomas de várias doenças que, apesar de se manifestarem de forma diferente entre homens e mulheres, somente se estuda e elencam os sintomas nos homens – os ataques cardíacos, por exemplo, e que leva a uma maior taxa de mortalidade por ataques cardíacos em mulheres. Até medicamentos que não são testados em mulheres em idade fértil e muito pouco testados nas outras mulheres – e, claro, de repente oferecem efeitos secundários não muito aconselháveis nos seres femininos a quem são prescritos sem nunca terem sido testados. E passando pela completa desconsideração pelas diferenças hormonais entre mulheres e homens (considerando-se o cocktail masculino, claro) e muitas outras peculiaridades.

Não acredito que uma equipa totalmente masculina, que já fez o esforço de excluir o conhecimento técnico de mulheres, tenha em consideração as diferenças do impacto do coronavírus em homens e mulheres. Não só nas questões estritamente de saúde – prevenção, testes e tratamento – mas também nas questões organizativas da vida para responder à doença. Um exemplo. Num país com um estado social deficiente, e com leis laborais tremendamente permissivas para os empregadores, o que acontecerá profissionalmente às mulheres que tiverem de faltar ao emprego para cuidar de maridos, filhos, pais? Não me admira que uma equipa de pessoas que acredita no papel da mulher em casa a tratar da família até bata palmas se isso restringir as possibilidades profissionais de mulheres.

Dois. Toda a pesquisa indica que nas empresas as equipas diversas tomem melhores decisões. Não há razão para num organismo político tal não ser igual. A razão é evidente. Grupos homogéneos tendem a reforçar as opiniões parecidas uns dos outros, não há pessoas com visões dissonantes para desafiar e interpelar a maioria, não têm uma visão de conjunto tão grande quanto um grupo diverso, com experiências diferentes, consegue. Passa-se com o sexo, com a raça, com a origem geográfica, com o background social e até com a idade.

Para nem referir a tendência que alguns homens têm de fazerem guerras de poder para satisfazer egos, demonstrações de força e de poder que são sempre mais importantes que os resultados, o gosto excessivo por se ouvirem quando não têm nada de muito seminal para dizer. Como seria de esperar, já há confusão e briga sobre quem lidera a equipa. O VP Pence garante ser ele, o equivalente ao ministro da saúde esclarece que é ele. Típico.

Num estudo que a Forbes (esse conhecido expoente do feminismo) fez em 2017, além de considerar que as decisões de grupos diversos quanto aos sexos faziam melhores decisões em 73% dos casos face às decisões individuais (versus 58% para as decisões de grupos só de homens face às individuais), também se constatou que o pior cenário é um grupo de decisão só masculino com grupos de execução diversos. Exatamente o que se passará nos Estados Unidos para o coronavírus.

A Kellog School of Management também nos dá um texto que afirma que os grupos homogéneos são mais seguros das suas decisões, apesar de as decisões serem piores. Ideias novas e opiniões diferentes, bem como os assuntos, não são de facto discutidos nestes grupos.

Este texto da Harvard Business Review apresenta três benefícios para grupos diversos e que produzem melhores resultados: centram-se mais nos factos (sei lá, tratamentos resolvem doenças, não a oração), os factos são processados com mais cuidado, são mais inovadores.

Nas empresas grupos mais diversos estão correlacionados com maiores inovações no mercado, melhores resultados financeiros, melhoria no ambiente de trabalho da empresa. As grandes consultoras têm pesquisado muito e produzido bastantes conclusões sobre este tema. Nos organismos estatais a medição não se faz por resultados financeiros (ou não devia), mas por eficiência e concretização bem sucedida de políticas. Neste caso concreto, incluir mulheres na equipa que vai lidar com o coronavírus significaria melhores e mais inovadoras soluções e vidas poupadas.

 

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