“Uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade”, Joseph Goebbels.
Trabalhando com pessoas em crise, torna-se óbvia uma coisa: construímos as nossas vidas sobre introspecções não digeridas de lugares comuns. Frases que ouvimos repetidas mil vezes, na família, na escola… na comunicação social.
A nossa realidade é tão sólida como uma folha de papel, ouvimos dizer, lemos que, vimos no facebook, ou até vimos com os nossos próprios olhos e tirámos as nossas conclusões. Mas será que podemos confiar nos nossos olhos? E se eles já trouxessem colados uns óculos que nos fazem olhar para a realidade através de uma cortina. Uma cortina de pequenas mentiras inquestionadas, ou verdades fora de contexto.
A história da chouriça
Duas amigas, a Ana e a Rita partilhavam casa, a Ana vinha de uma família do Norte e herdara uma receita secreta de Cozido, com um sabor único e delicioso. A Rita pediu, implorou para que lhe ensinasse e por fim farta de a ouvir a rapariga do norte acabou por aceitar.
Ao aprender a receita a Rita ficou espantada ao ver que a Ana cortava as duas pontas da chouriça e as deixava de lado. Curiosa perguntou mas a resposta não a satisfez:
– A minha mãe sempre fez assim e sem isso o sabor não é o mesmo.
Pouco esclarecedor pensou a Rita.
– Ana por favor, pergunta à tua mãe porquê. – Insistiu e insistiu. De volta de casa a Ana trazia uma ar satisfeito.
– Já perguntaste?
– Sim e ela disse-me o que eu já esperava: aprendeu assim com a mãe, é um segredo de família.
– Não, não! Tudo tem uma história, por favor pergunta à tua avó, tenho a certeza que pelo menos ela sabe.
Apesar de irritada a Ana perguntou à avó, agora também ela começava finalmente a estar curiosa.
A resposta da avó tinha todo o sentido.
– Oh querida, cortava as pontas da chouriça porque a panela era pequena e a chouriça inteira não cabia.
A Ana e a Rita riram juntas com esta história e finalmente… deixaram de cortar as pontas da chouriça….
Quantas vezes cortamos as pontas aos nossos sonhos, aos desejos mais profundos da alma porque a tradição familiar ou social repete mil vezes que tem que ser assim?
Esta história lembra-me a maravilhosa história de “O rei vai nú”. O medo de transgredir e de quebrar as regras implícitas que não compreendemos leva-nos a situações completamente loucas. Como diz Arno Gruen, é o pior tipo de loucura, a loucura da normalidade: desistir de viver a vida de maneira integra e significativa por causa de uma (às vezes muitas) mentiras?
Sempre admirei as pessoas que recorrem à terapia, elas assumem que podem mudar as suas vidas, e tomam responsabilidade por isso. É bem mais fácil achar que os outros deviam mudar ou que simplesmente não temos sorte e nem vale a pena. Enfrentar as nossas sombras e transformá-las em aliadas é coisa para gente corajosa.