Andei vários anos, para a dissertação de mestrado, a ler (e a escrever) sobre trauma e os sobreviventes de eventos traumáticos. Muitas estradas iam parar ao Holocausto, que foi O Trauma. Porque, ao contrário do que escrevem aqui – que o Holocausto terminou há 75 anos quando os soldados aliados chegaram a Auschwitz -, o Holocausto nunca terminou para as suas vítimas e há sobreviventes que foram crianças então que ainda vivem no Holocausto. O Holocausto só vai terminar quando morrer o último sobrevivente dos guetos ou dos campos de concentração.
E, se me permitem uma recomendação, sabem o que seria um bom tributo, na verdade o melhor ou se calhar o único possível? Forçarem-se a ouvir e a ver os testemunhos dos sobreviventes do Holocausto, tanto no Fortunoff Video Archive for Holocaust Testimonies ou nas várias horas do monumental filme Shoah de Claude Lanzmann. Vai doer, prometo, mas é a obrigação que temos para com que morreu ou viveu aquela malignidade.
Para lembrarmos os que morreram, mas também para honrarmos os sobreviventes, que precisam de contar o viram e viveram – e às vezes só o conseguem fazer quarenta anos depois de saírem dos campos de concentração – para, literalmente, conseguirem sobreviver. Mas esta necessidade, este ‘imperativo para contar’ é boicotado pela ‘impossibilidade de contar’. Porque o mundo não quer ouvir, não compreende, os próprios sobreviventes têm dificuldade em articular a condição de sub humanos a que foram remetidos.
Deixo aqui nas imagens linhas de Dori Laub, psiquiatra sobrevivente do Holocausto que esteve em campos de concentração enquanto criança, e que construiu o arquivo Fortunoff – precisamente para que a memória do que se passou não morra com os sobreviventes. Do capítulo ‘Truth and Testimony’, do livro Trauma, Explorations in Memory, editado por Cathy Caruth.

A parte do Holocausto dos campos de concentração espera-se que não se repita mais. Mas podemos tirar a lição para as outras vítimas de eventos traumáticos, sejam perseguições políticas sejam violações e abusos sexuais ou violência doméstica. As vítimas demoram tempo até conseguirem contar, por vezes anos. E o mundo tem a obrigação e o imperativo moral de as ouvir.