A extrema direita em luta contra a educação sexual

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A ideologia tem consequências, e a extrema direita nunca negou que pretendia retomar a propriedade sobre os corpos das mulheres. Tal como nas sociedades islâmicas, a liberdade sexual feminina é vista como o grande inimigo da moral e do bem. (Os homens, claro, podem fazer o que sempre fizeram.)

A última intentona para reprimir a liberdade sexual feminina vem do Vox, que exigiu – em troca da aprovação dos orçamentos da coligação PP-Ciudadanos da região de Múrcia – que fosse pedida aos pais uma autorização expressa, o pin parental, para as criancinhas serem expostas na escola a conteúdos que consideram de cariz ideológico. Em termos práticos, os pais podem recusar que os filhos e as filhas assistam a aulas de educação sexual, ou que falem de tolerância às comunidades LGBT, feminismo e quejandos.

Claro que fechar o mundo na escola a temas como a tolerância a minorias ou igualdade de direitos, liberdades e oportunidades entre homens e mulheres, sobretudo a miúdos provindos de famílias tacanhas e reacionárias, será desvantajoso quer para os adolescentes quer para uma sociedade que ficará mais pequena e obscurantista. É muito grave.

Mas a questão da educação sexual é bastante mais grave, porque põe em risco a saúde dos adolescentes. Tenho para mim que a educação sexual é um direito fundamental das crianças e adolescentes. Têm direito a conhecer o seu corpo, os processos reprodutivos, os métodos anticoncecionais, como se podem proteger de doenças sexualmente transmissíveis. Já está abundantemente demonstrado que os adolescentes não têm sexo desenfreado por causa da educação sexual, mas têm sexo mais protegido por causa da educação sexual.

Concordo que a educação sexual não deve dar indicações morais, se se deve abster de sexo fora do casamento se se deve dormir com qualquer pessoa que lhe passe à frente. Não tem de incentivar os adolescentes a experimentarem coisas e parceiros que nunca pensaram experimentar. Mas deve dar a informação técnica de forma a proteger os adolescentes (e, mais tarde, os adultos) de doenças e gravidezes indesejadas.

Se esta falha de educação sexual é grave para os rapazes, é ainda mais calamitosa para as raparigas, que além das doenças sexualmente transmissíveis têm também o perigo de engravidarem, caso não usem anti contracetivos e se não conhecerem o seu corpo. E é este terrorismo emocional – o medo de engravidar; o medo de ter de fazer um aborto; o medo de se contar aos pais que se engravidou; o medo de ser mãe sozinha – que o Vox e os seus amigos PP e Ciudadanos pretendem usar para reprimir a sexualidade das raparigas espanholas (ou, pelo menos, as de Múrcia). É um atentado à saúde e à liberdade sexual das raparigas e mulheres espanholas.

No meio disto, o Pablo Casado, o líder do PP, para defender o pin parental proposto pelo Vox, veio com a retórica ‘os filhos pertencem aos pais’, como se os filhos não pertencessem a si mesmos, não fossem portadores de dignidade e direitos, mas antes uma mercadoria de que os pais podem dispor como bem entenderem. É este tipo de retórica que legitima que pais não aceitem colocar as filhas em escolas públicas mistas, obriguem as filhas a cobrirem-se com véus ou endoutriná-las para casamentos arranjados pela família. Além, claro, da liberdade de espancar os filhos rapazes acaso descubram que são gays (ou por outra razão que lhes apeteça), determinar o que os petizes estudarão na universidade (ou se irão à universidade), e um quilométrico etc de atentados aos direitos das crianças. Os filhos não pertencem aos pais, os pais são tutores dos filhos e têm obrigação de os cuidar em função do seu interesse e direitos, e não em benefício dos próprios pais.

Este assunto do pin parental tem dividido os espanhóis. Tem um lado bom: o Vox e os seus aliados mostram com clareza (ou mais clareza) ao que vêm, concretamente nos atropelos aos direitos que pensávamos estabelecidos de raparigas e rapazes.

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