Nos anos 80, um psiquiatra americano não remunerado inventou uma teoria que até hoje não tem reconhecimento científico. Chamava-se Richard Gardner e defendia abertamente a pedofilia e o incesto. Ganhava a vida testemunhando em tribunal como “especialista” em defesa de pais acusados de violar e agredir os próprios filhos. Graças a si, vários abusadores de menores foram libertados, com consequências graves – mesmo mortais – para as crianças e suas mães.
A falsa teoria é conhecida como “alienação parental”. Parte do pressuposto que as denúncias de abuso sexual ou violência doméstica contra um progenitor são falsas e produto da mente vingativa da mãe ou da imaginação fantasiosa da criança, vítima de manipulação materna.
Não é difícil identificar a misoginia que está na origem desta teoria artificial: a base da mesma é Eva, a mulher mentirosa, manipuladora e mesquinha. É assim que a sociedade ainda vê as mulheres, em muitas instâncias, especialmente nas judiciais.
Mas Gardner ia mais longe: se por um lado percebeu que propagar a falsidade das denúncias destes crimes e culpar as mães recebia acolhimento imediato no contexto patriarcal em que vivemos, por outro movia-o um objectivo maior – a normalização da pedofilia. Por isso a sua carreira foi pautada por esta óbvia contradição: ora afirmava que as acusações de abuso sexual de menores contra progenitores eram falsas e produto de “histeria feminina colectiva”, ora confirmava que eram verdadeiras mas diminuía a sua gravidade, chegando ao ponto de qualificar a pedofilia como positiva para a criança.
Nada como analisar as próprias palavras do pai da alienação parental, citando-o directamente, para compreendermos a monstruosidade da sua invenção:
Sobre a pedofilia
“Há um pouco de pedofilia em cada um de nós.”[1]
“A pedofilia foi considerada a norma pela grande maioria dos indivíduos na história do mundo”. [2]
“A pedofilia intra-familiar (i.e., incesto) é generalizada e…é provavelmente uma tradição antiga.” [3]
“É porque a nossa sociedade reage excessivamente [à pedofilia] que as crianças sofrem.”[4]
“A pedofilia pode aumentar a sobrevivência da espécie humana, servindo fins de procriação.” [5]
“A pedofilia é uma prática generalizada e aceite entre, literalmente, biliões de pessoas.” [6]
”Muito diferentes tipos de comportamento sexual humano, incluindo pedofilia, sadismo sexual, necrofilia (sexo com cadáveres), zoofilia (sexo com animais) e coprofilia (sexo involvendo defecação), podem ser vistos como tendo um valor de sobrevivência para a espécie e portanto não merecem ser excluídos das chamadas formas naturais de sexualidade humana.”[7]
Sobre a terapia recomendada às crianças abusadas sexualmente pelo seu progenitor
• Manter a criança em contacto com o agressor
“Cuidados especiais devem ser tomados para não afastar a criança do pai que a violou. A remoção de um pai pedofílico do lar “só deve ser seriamente considerada depois de todas as tentativas de tratamento da pedofilia e reaproximação com a família tiverem sido inúteis”. A criança deve ser informada de que não existe um pai perfeito. “A exploração sexual deve ser colocada na lista negativa, mas os positivos também devem ser apreciados.”[8]
• Dizer à criança que o abuso sexual por parte do seu pai é normal
“As crianças mais velhas podem ser ajudadas a entender que os encontros sexuais entre um adulto e uma criança não são universalmente considerados atos repreensíveis. A criança pode ser informada sobre outras sociedades em que esse comportamento foi e é considerado normal.”[9]
Sobre as mães que descobrem que a criança está a ser sexualmente abusada pelo pai
Gardner atribui a responsabilidade pelo abuso do pai à mãe, a quem ele culpa por não ter satisfeito o marido sexualmente. Ele sugere que os terapeutas ajudem as mães de vítimas de incesto a obter gratificação sexual das seguintes formas:
- Desencorajando litígios.
- Incentivando-a a ficar com o marido (o violador/agressor)
- Culpando a mãe e a criança pelo abuso sexual do perpetrado pelo pai
“Pode ser que uma das razões pelas quais a filha se voltou para o pai seja o comprometimento do relacionamento da criança com a mãe.”[10]
- Ajudando-a a superar a raiva do marido por abusar sexualmente da sua filha/filho
“Se a mãe reagiu ao abuso de maneira histérica, ou usou-o como desculpa para uma campanha de difamação do pai, então o terapeuta faz bem em tentar” deixá-la sóbria “… A sua histeria … contribuirá para o sentimento da criança de que um crime hediondo foi cometido e, portanto, diminuirá a probabilidade de qualquer tipo de aproximação com o pai. É preciso fazer todo o possível para ajudá-la a colocar o “crime” na perspectiva correta; ajudando a criança a entender que, na maioria das sociedades da história do mundo, esse comportamento era omnipresente, e esse ainda é o caso “.[11]
- Encorajando-a a ser mais sexualmente activa e reactiva ao seu marido
“A diminuição da sua própria culpa sobre a masturbação facilitará o incentivo à mesma prática pela sua filha, se isso for justificado. E o aumento da sexualidade da mulher pode diminuir a necessidade de o marido retornar à filha para gratificação sexual”.[12]
Sobre os pais que abusam sexualmente dos seus filhos
Gardner recomenda as seguintes acções no que toca aos aos pais que cometem incesto:
- Explicando que o que ele fez é normal
“Ele tem que ser ajudado a entender que, ainda hoje, [a pedofilia] é uma prática amplamente aceite entre literalmente bilhões de pessoas. Ele tem que entender que, especialmente em nossa sociedade ocidental, adotamos uma atitude muito punitiva e moralista em relação a tais inclinações. Ele teve uma certa quantidade de má-sorte no que diz respeito ao local e hora em que nasceu no que diz respeito às atitudes sociais em relação à pedofilia “.[13]
- Mantendo-o na casa de morada da família
“A retirada de um progenitor pedófilo da casa de morada da família só deverá ser seriamente considerada após todas as tentativas de tratamento da pedofilia e de reaproximação à família se tiverem revelado inúteis”. [14]
- Abolindo a denúncia obrigatória de abuso sexual infantil.
- Eliminando a imunidade das pessoas que denunciem abuso infantil.
- Criando programas financiados pelo governo federal para ajudar aqueles que alegam ter sido falsamente acusados de abuso sexual infantil.[15]
O caso mais negro da carreira de Gardner foi o dos irmãos Grieco – 3 rapazes adolescentes, que eram regularmente agredidos pelo progenitor durante as visitas, imploraram ao juíz do tribunal de família e menores que suspendesse tais visitas. O pai contratou o especialista Richard Gardner que conseguiu convencer o juíz que o progenitor perigoso era a mãe que “lavava o cérebro” dos filhos. Os rapazes foram então ameaçados que deveriam continuar a visitar o pai e “portar-se bem” nessas visitas, caso contrário a mãe seria presa. Pouco depois o mais velho dos rapazes enforcou-se deixando um diário onde descrevia o inferno que vivia. O suicídio do adolescente não chegou para Gardner ou o juíz assumirem qualquer responsabilidade ou mudarem de opinião; as visitas só foram suspensas quando o caso chegou à imprensa.
Gardner foi ouvido como “especialista” em mais de 400 processos envolvendo menores. Nunca saberemos quantas vidas destruiu. Suicidou-se esfaqueando-se no pescoço e peito. Resta-nos esperar que as suas vítimas encontrem a paz possível sabendo o fim trágico, doloroso e humilhante que teve o pai da alienação parental – “o pior lixo científico a que os tribunais alguma vez deram credibilidade”, como foi descrito num dos seus orbituários.
Infelizmente, este lixo não desapareceu com ele e a falsa teoria continua a ser citada em vários tribunais e usada como estratégia de defesa de abusadores sexuais e agressores. Gardner formou vários discípulos que ainda hoje se dedicam a manter vivo o seu legado monstruoso. E se alguns o fazem ingenuamente, ignorantes ao teor pro-pedófilo da sua teoria artificial, a dura verdade é que muitos o seguem também naquele que é o mais negro dos seus objectivos de vida: a normalização da pedofilia.
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[1] (Gardner, R.A. (1991). Sex Abuse Hysteria: Salem Witch Trials Revisited . Cresskill, NJ: Creative Therapeutics. (p. 118)
[2] (Gardner, R.A. (1992). True and False Accusations of Child Sex Abuse . Cresskill, NJ: Creative Therapeutics. (p. 592-3)
[3] Gardner, R.A. (1991). Sex Abuse Hysteria: Salem Witch Trials Revisited . Cresskill, NJ: Creative Therapeutics. (p. 119)
[4] Gardner, R.A. (1992). True and False Accusations of Child Sex Abuse . Cresskill, NJ: Creative Therapeutics. (pp. 594-5)
[5] Gardner, R.A. (1992). True and False Accusations of Child Sex Abuse . Cresskill, NJ: Creative Therapeutics. (pp. 24-5)
[6] Gardner, R.A. (1986). Child Custody Litigation: A Guide for Parents and Mental Health Professionals . Cresskill, NJ: Creative Therapeutics, (p. 93)
[7] Gardner, R.A. (1992). True and False Accusations of Child Sex Abuse . Cresskill, NJ: Creative Therapeutics. (pp. 18-32)
[8] Gardner, R.A. (1992). True and False Accusations of Child Sex Abuse . Cresskill, NJ: Creative Therapeutics.(p. 572)
[9] Gardner, R.A. (1992). True and False Accusations of Child Sex Abuse . Cresskill, NJ: Creative Therapeutics.(p. 549)
[10] Gardner, R.A. (1992). True and False Accusations of Child Sex Abuse . Cresskill, NJ: Creative Therapeutics. (p. 585)
[11] Gardner, R.A. (1992). True and False Accusations of Child Sex Abuse . Cresskill, NJ: Creative Therapeutics. (pp. 576-7)
[12] Gardner, R.A. (1992). True and False Accusations of Child Sex Abuse . Cresskill, NJ: Creative Therapeutics. (p. 585)
[13] Gardner, R.A. (1992). True and False Accusations of Child Sex Abuse . Cresskill, NJ: Creative Therapeutics. (p. 593)
[14] Gardner, R.A. (1991). Sex Abuse Hysteria: Salem Witch Trials Revisited . Cresskill, NJ: Creative Therapeutics. (p. 119)
[15] Gardner, R.A. (1995). Written testimony on HR3588 – Proposed revision of the child abuse prevention and treatment act (CAPTA) (Public Law 93-247).