Coragem e outras coisas

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Sinto que estou a lutar, mesmo que não queira, luto porque tenho medo, não só por mim. uma amiga escreveu-me no outro dia: “a realidade assusta-me” e reconheço-me nisto. Repito para mim própria que mesmo com tudo o que vejo no mundo não vou desistir, repito para me convencer, porque me quero agarrar com unhas e dentes a qualquer réstia de esperança num futuro melhor que o presente. Com menos medos, menos ódios, mais alegria, abertura, sinceridade.

Ás vezes apetece-me borrifar em tudo, pensar que não vale a pena, que o mundo nunca vai mudar, que a maioria são ovelhas e que preferem mil vezes ser escravas do que correr o risco de errar. Depois olho para as minhas sobrinhas, para a minha neta, não porque são minhas, mas porque são felizes enquanto crianças, olho para elas, respiro muito fundo e sei que quero fazer o meu melhor, até talvez um bocadinho mais, para que elas tenham um futuro em que não tenham que ter medo da realidade. Assim como o meu filho Tomé dizia: “o que o mundo precisa é de mais honestidade e bondade”.

Isto pode parecer uma atitude corajosa e as pessoas apreciam a coragem. Mas não é bem isso. A coragem vem à medida do medo, a coragem é um músculo que se treina (palavras da Brenée Brown), a coragem é maior em quem passou por mais medo, por isso talvez devêssemos começar a valorizá-la menos e a criar condições para que não seja tão necessária.

Prefiro imaginar um mundo em que não seja necessária tanta coragem porque as pessoas se sentem apoiadas e podem assumir a sua vulnerabilidade. Muitas vezes tenho raiva da minha “coragem” porque ela significa que muitas e muitas vezes não era capaz mas tive que fazer. Uma situação que hoje em dia, se calhar, a maioria das pessoas conhecem, mas as mães de certeza, e as mães monoparentais provavelmente mais do que qualquer outra pessoa.

Sei o que me custou ser “corajosa” para além das minhas forças como um modo de vida e não acho que o orgulho seja a resposta certa. Sinto algum alívio, mas a verdade é que a minha coragem falhou muitas vezes. Era para além das minhas forças. E não devia ter tido que ter a tal coragem tantas vezes porque como mãe devia ter sentido segurança e apoio. Não desejo coragem para as outras mães e pais. desejo conforto, reconhecimento, justiça social. Desejo que só tenham que ser corajosos em circunstâncias muito raras, só para o músculo não se atrofiar e ainda assim com as costas quentes.

Temos assistido a vários casos de mães que se tentam suicidar com os filhos, é claro que os “treinadores de bancada” saltam logo para o julgamento e atiram a primeira e até a segunda e a terceira pedra, sem se perguntarem se já pecaram. Eu pergunto-me o quanto estas mães já tinham usado a sua coragem até se esgotar. Até soltarem o pequenino fio de coragem que as prendia à sanidade.

Quando virem alguém que acham corajoso, podem evidentemente admirar e reconhecer essa coragem, desde que sabendo que também vocês a poderiam ter. Mas sobretudo estendam a mão, não aos estranhos corajosos, mas aos que estão ao vosso lado. Pensem neles assim como uma pessoa a carregar uma carga muito pesada e que não precisa que a fotografem para o face nem que lhe batam palmas, mas sim que lhe tirem alguma carga de cima. E mesmo nisso é preciso atenção em ver o que tiramos, tirar algo que não perturbe o equilíbrio do todo, não a primeira coisa que vem à mão, que pode ser aquilo onde o resto se sustenta.

Há uma expressão bonita “dare to care” Atrever-se a importar-se. Numa cultura que promove a indiferença e as ajudas bonitas e superficiais, importar-se com os outros é um atrevimento de que precisamos cada vez mais. Por cada pessoa que cultiva a indiferença, há outra que se importa e tem que se importar por duas, ou por três ou por quatro. Como o Tomé e como tantas outras pessoas que conheço e de quem gosto muito.

De uma cultura de indiferença a uma cultura de cuidado pode ser só um passo, uma mudança da atitude, de perspectiva. A realidade de hoje é assustadora, e os ajudantes estão a fazer o seu trabalho mas não chega, todos fazem falta, todos podem fazer um bocadinho. E agarrar-se ao fio de esperança e de coragem, juntar-se a outros e apoiar-se reciprocamente neste caminho. Há muita gente a trabalhar para um amanhã melhor.

“Se queres ir rápido vai sozinho, se queres ir longe vai bem acompanhado.” (Provérbio Africano.)

1 COMENTÁRIO

  1. “ De uma cultura de indiferença a uma cultura de cuidado pode ser só um passo, uma mudança da atitude, de perspectiva. A realidade de hoje é assustadora, e os ajudantes estão a fazer o seu trabalho mas não chega, todos fazem falta, todos podem fazer um bocadinho. E agarrar-se ao fio de esperança e de coragem, juntar-se a outros e apoiar-se reciprocamente neste caminho. Há muita gente a trabalhar para um amanhã melhor.”
    Grata pelas palavras … corajosas ….

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