Nas relações sociais, no trabalho e na economia tudo está a mudar demasiado rápido e até o clima que tínhamos na esfera da divina providência também está em profunda e veloz transformação. Face às incontornáveis alterações climáticas há que mobilizar a sociedade e responder com acções concretas, para o conseguir há quem proponha uma solução mais radical – estado de emergência climática.
O estado de emergência climática é um voluntarioso propósito proposto por vários instituições ativistas e grupos ambientais, como a Extinction Rebellion, Ecologistas em Ação, Fridays for Future, Seo Birdlife, WWF e Greenpeace. Esta iniciativa pode, na minha opinião, ser contrária aos interesses do combate às alterações climáticas e do próprio regime democrático. É um instrumento que visa reconhecer a extrema gravidade da ameaça representada pelo aquecimento global e envolve a adoção de medidas para conseguir reduzir as emissões de carbono a zero num prazo determinado e exercer pressão política aos governos para que tomem consciência sobre a situação de crise ambiental.
Então, por que razão devemos temer que o estado de emergência climática não seja a melhor solução no combate reforçado contra as alterações climáticas? Porque a experiência, nacional e internacional, demonstra que os estados de emergência quando politicamente motivados, beneficiam sempre os poderes políticos incumbentes e poderosos interesses económicos, e nunca as vítimas das catástrofes, a história recente tem alguns bons exemplos de estudo.
Devo fazer aqui uma ressalva e explicar que não partilho do medo daqueles que vêem na luta climática um aproveitamento de outras causas, uma luta dissimulada contra sistemas de opressão colonialistas, racistas e patriarcais – se do resultado deste combate, resultarem sistemas económicos e sociais menos colonialistas, racistas e patriarcais seria formidável, uma prova de que há fundada esperança num futuro melhor.
Com o estado de emergência climática corremos o risco de asfixiar a democracia, e nada mais conseguir do que satisfazer alguns poderosos interesses particulares. E temos subtis formas de o fazer, nomeadamente quando tentamos agilizar os normais processos democráticos, para justificar a nossa inépcia, incompetência ou a vulgar lentidão procedimental.
Quando escutamos responsáveis do principal organismo estatal para a proteção do ambiente afirmar que, por exemplo – “isto da transição energética só lá vai com mecanismos como o PIN (Potencial Interesse Nacional)” – temos sérias razões para ficar preocupados. Porque a classificação PIN é um procedimento de simplificação administrativo e uma forma de contornar condicionantes legais em matéria de ordenamento do território e de preservação de valores ambientais (nomeadamente a emissão de autorizações especiais para a instalação destes investimentos em áreas de salvaguarda, como a Rede Natura 2000, ou a Reserva Ecológica, ou a Reserva Agrícola Nacional).
Algumas das acções que estão classificadas para combate às alterações climáticas são bastante discutíveis e envolvem alterações profundas no nosso sistema biofísico, como seja a reafectação da utilização de solos agrícolas, desclassificando grandes áreas de terreno a sul, ou a construção de grandes minas a céu aberto no norte e centro do país para a exploração de lítio e outros minérios. Devemos nestes casos garantir todas as cautelas democráticas e evitar atalhos.
Um dos desígnios da transição energética, instrumento fundamental no combate às alterações climáticas, é a democratização do sistema energético, e não faz sentido que o façamos em oposição à democratização do sistema político. Este esforço de combate às alterações climáticas não pode ser realizado sem o envolvimento e a participação ativa das populações, e do poder local. A democracia está sob ataque serrado em várias frentes, não necessitamos de mais esta batalha para a fragilizar, bem como à nobre causa do clima. Não dispensemos os lentos rituais da democracia para implementar uma ‘emergênciocracia’.
A etimologia da palavra emergência é do latim “emergere” que significa “trazer à luz”, subir à superfície. Evitemos, no afã de fazer emergir a gravidade do aquecimento global nas agendas políticas, a submersão da sempre frágil democracia, que todos sentimos ameaçada.
Urgência e consequência na acção climática sim, mas sem atalhos democráticos. Emergênciocracia, não.