Impressiona como, depois de tantas sentenças e acórdãos espúrios e intragáveis oferecendo penas suspensas a violadores e a agressores que selvaticamente bateram nas suas mulheres ou ex-mulheres, os juízes portugueses continuam na mesma senda de oferecer complacência para com os homens que violam e agridem mulheres.
Desta vez foi um violador que, provando-se que violou uma rapariga de 15 anos, a juíza (que as juízas têm-nos oferecido também decisões indecorosas em abundância, mostrando que são juízas e mulheres de muito má qualidade) sentenciou-o a dois anos de prisão com pena suspensa, e a pagar uma indemnização de 1800€. É como quem diz, deu uma palmadinha nas costas do violador.
Já escrevi várias vezes sobre este assunto e confesso que estou farta até à ponta dos cabelos (de resto, compridos) destas decisões judiciais. Os juízes destas penas escabrosas ou são pessoas psicopatas que deveriam passar por testes psicológicos e ser devidamente afastados de julgar o que quer que implique com as consequências de crimes na vida alheia, ou são ignorantes absolutos das consequências traumáticas que uma violação tem numa mulher. A violência sexual é das principais, se não a principal, causa nas mulheres de stress pós traumático, uma doença debilitante, que acompanha quem dela padece durante anos, com consequências que podem ir de dificuldade de manutenção de relacionamentos pessoais, incapacidade de ficar em empregos, depressão, até suicídio.
Mas os juízes portugueses, perante um crime que tem estas consequências avassaladoras para as vítimas, desconsideram totalmente a vítima e a vida futura da vítima. O que preocupa os juízes? Salvaguardar a vida dos violadores. Se os violadores não têm antecedentes criminais (como se num crime hediondo como uma violação interessasse haver antecedentes criminais ou não), se têm emprego, se têm uma rede familiar, bem, para que se há de estragar a vida do pobre coitado?
Entre a vida de uma mulher – que se estragou por muitos anos – e a vida do violador, os juízes preocupam-se em proteger a vida do violador.
Lamento, mas se isto continuar, nós teremos de começar a pensar em soluções mais drásticas. Estas sentenças em que se dá um vale de desconto a violadores (ou a agressores de companheiras ou ex companheiras) têm de acabar – ponto final.
Dar uma pena suspensa a um violador é dizer à vítima ‘a sociedade quer lá saber se foste violada, lida com o assunto sem nos chateares’. É o que se chama de revitimizar a vítima. O juíz/juíza que tomou esta decisão violou uma segunda vez a adolescente que já tinha sido violada. Não falo por hipérbole. É mesmo um efeito psicológico reconhecido: quando não se acolhe a história da vítima, quando a comunidade não fica do lado da vítima, esta sente-se de novo traída, sem controlar a sua vida, descartável, retraumatizada.
Porque falo no plural? Recorda-se da rapariga que foi violada, enquanto inconsciente, numa discoteca de Gaia por dois homens? Além da fundamentação ordinária do acórdão, a pena suspensa foi dada aos violadores com os mesmos fundamentos: tinham emprego, família e ausência de antecedentes criminais. A do homem que violou a turista inglesa e não cumpriu pena, o mesmo.
Apetece dizer asneiras, e das cabeludas.
Dois pontos para terminar.
Um. Sentenças como a deste violador da menina de 15 anos ou dos violadores da discoteca servem um propósito: dizer às mulheres que se forem violadas o melhor é ficarem caladas porque se denunciarem os tribunais terminam gozando connosco. Sentenças como estas anulam totalmente a proteção legal às mulheres, e promovem a insegurança – porque também dão uma mensagem clara aos homens: se tiverem emprego, família e nunca tiverem sido condenados, violem aí à vontade que os tribunais garantem que nada vos acontece.
Dois. O estado tem algumas funções principais, entre as quais está a segurança dos cidadãos e a dispensa de justiça. Cabe ao poder político – executivo, no governo, e legislativo, na Assembleia da República – garantir que a metade feminina da população usufrua destes direitos fundamentais.
Já vários casos de penas suspensas em crimes odientos contra mulheres foram conhecidos. Por que diabo ainda não houve nenhuma alteração legislativa para aumentar as penas de crimes de violência sexual e violência doméstica? Por que carga de água são permitidas penas suspensas em crimes violentos? A violência sexual é daqueles crimes onde NUNCA deveria ser contemplada a pena suspensa.
Onde está uma devida avaliação dos juízes, que relegue para o fundo das listas quem oferece sentenças destas a violadores? Onde está uma formação de juízes que lhes dê algumas luzes de como funcionam os seres humanos (aparentemente são desprovidos de humanidade) e das consequências de crimes sexuais nas vítimas? (Para nem referir os crimes sexuais evidentes que os juízes dão como não provados.)
O poder político também está a dizer aos violadores para continuarem a violar sem stress e às mulheres que não quer saber da violência que é exercida sobre nós. Aparentemente poupar dinheiro com a população prisional é de mais valor que a segurança e saúde e a vida das mulheres.
Concordo em absoluto com o escrito neste texto. Acho que mais homens se deviam revoltar perante estas decisões que desprotegem as mulheres que vivem connosco.