Começo por pegar no título do livro de Sara Barneda que achei brilhante e dar-lhe um pequeno twist. A história baseia-se na consideração de um mundo culturalmente dominado por homens de como as virtudes e liberdade de dezassete mulheres são entendidos como pecados capitais.
Quem nunca pensou ou falou mal de outra mulher gratuitamente que atire a primeira pedra.
O que é um facto é que este ataque constante a tudo a que as mulheres fazem, ou não fazem, ou se pensa que elas fazem, está impregnado na nossa sociedade, está enraizado em nós mulheres também, é geracional e proveniente do patriarcado.
Sim, hablamos de nosotras e com isto condenamo-nos a nosotras.
É recorrente ouvir mulheres a compararem a sua situação com a de outras mulheres e afiançarem que elas sim, agiram ou agiriam bem numa situação similar e que as OUTRAS é que agem mal.
Começo por exemplificar com um caso conhecido.
Uma mulher, letrada, culta, divorciada, mãe de 3 filhos adultos e avó perante uma situação em que um dos seus filhos se estava a separar referia que a mãe do SEU neto, sua ex-nora, pessoa a quem se presume ter sido tratada por ela como filha, estava a “alienar parentalmente” o SEU filho e como tal entendia que tinha de ajudar o seu filho a vingar-se. Segundo essa mulher a ex-nora foi egoísta e estava a ser uma péssima mãe e que a própria NUNCA agiria como ela pois resolveu, estando desempregada, voltar a viver na sua terra natal regressando para a casa dos seus pais. A actual residência encontrava-se distante da localidade onde vivia com o então seu ex companheiro a 200km e a criança tinha pouco mais de 1 ano. Essa avó afiançava que se iria servir dos seus conhecimentos em Direito, pois é licenciada em Direito, para testemunhar de forma a que o seu filho, Pai, ficasse com a guarda total do seu neto ainda a amamentar. Reforço que essa mulher afiançava que nunca na vida faria tal maldade ao pai dos seus filhos.
No entanto dei por mim a pensar no caso pessoal dessa mulher, mãe e avó. Há alguns anos atrás divorciou-se do pai dos seus 3 filhos quando ainda eram muito pequenos, e regressou para a casa da sua mãe com os meninos que se localizava a mais de 400km da localidade onde vivia o pai e avós paternos dos seus filhos. Segundo ela sempre promoveu contacto com a família paterna pois telefonava de quando em vez e em anos alternados colocava-os no comboio para irem vê-los no Natal, altura do ano que os filhos passaram a detestar. Denoto que há cerca de 30 anos atrás os contactos e deslocações eram bem mais difíceis do que nos tempos que correm. Tentei fazer-lhe ver isso mas essa minha amiga, avó, mãe arranjou sempre justificações “Ah porque eu…” e nunca se conseguiu colocar no lugar da mãe do seu neto.
Isto é um dos inúmeros casos em que “hablamos de nosotras”.
Dando outro caso que me foi dado a conhecer.
Apenas conversei com essa mulher passado alguns anos da situação que descrevo. Segundo ela o pai do seu filho de 9 anos tinha ceifado a própria vida quanto o filho ainda tinha 1 ano porque era esquizofrénico (ainda que nunca tivesse sido diagnosticada essa doença previamente). Segundo ela o seu filho de 9 anos nunca tinha dormido longe dela e tinha amamentado até aos 18 meses. Segundo ela, ainda que tivesse sido ela a requerer a separação, promovia o contacto desse filho bebé com o pai antes do suicídio. No entanto, face à morte do pai dessa criança aos avós e tios paternos depois da perda do filho e irmão não lhes foi permitido ver o neto e sobrinho, única recordação viva. Então a família paterna requereu regulares visitas ao neto recorrendo ao tribunal. Essa mãe, mulher, NUNCA justificou que os deixou ver e que este a degladiar-se em audiências infindas para obviar essas visitas ocorria porque eles “não eram bons”. Toda a família materna se envolveu a depor contra a família paterna pois segundo todos “eles (avós e tios paternos) tinham sido mauzinhos com ela”.
Foi então que nasceu o sobrinho, filho do irmão dessa mulher. Foi também a mãe do seu sobrinho que requereu a separação. A mãe do seu sobrinho, a custo da sua vida pessoal, tudo fez para promover o contacto com toda a família paterna onde ela se encontra incluída, mesmo em detrimento da sua, talvez para compensar o facto de nunca terem vivido juntos. Mas havia algo do qual essa mãe não queria abdicar de dar ao filho, além da estabilidade, amor e conforto, que era o seu leite materno. Ora, a mãe do seu sobrinho, pelo facto do pai tentar sempre obviar isso, “ousou” requerer as responsabilidades parentais convicta que com isto iria cessar o conflito pois tudo ficaria regulado. A partir daí a família dessa mulher, ora designada de família paterna, organizou-se para tirar esse bebé a essa mãe, desestabilizando-a. Desde não entregar o bebé ainda com 9 meses a essa mãe que só soube no dia seguinte ter o bebé ficado a dormir na casa de uma mulher, tia, que amamentava outra filha com 2 meses. Desde o pai, irmão dessa mulher, ir esmurrar e pontapetear a porta da casa da mãe, acompanhado dos seus pais e da GNR para alegadamente irem buscar o bebé que se encontrava sozinho com a mãe em dias que não os combinados. Desde ameaças, difamações, perseguições, devassa da vida pessoal, tudo valia pois o importante era o “filho estar com o PAI”, e a família PATERNA, em condições de igualdade (ou supremacia…) e essa mãe não queria que o sobrinho bebé pernoitasse longe de si.
Não prolongando mais esta história apenas concluo:
Quando essa mulher estava a defender o papel de mãe e essa família a defender o papel de família materna, era importante que a criança pernoitasse sempre junto da mãe, que fosse amamentado pela mãe, e que fosse protegida da “malvada família paterna”, mas quando essa mulher passou a defender o papel de tia paterna e essa família a defender os “direitos do pai”, o importante passou a ser essa família paterna.
Mas essa mulher agiu sempre bem… A mãe do seu sobrinho é que não. A sua família agiu sempre bem… a família do pai do seu filho é que não…
Estas duas histórias envolvem crianças em que a meu ver foram disputadas como objectos de pertença.
É comum assumir que as mães separadas são as maiores “alienadoras” e que todas elas, mal resolvidas e “ressabiadas” querem afastar os filhos dos pais frondosos, ainda que tenham sido as próprias a requerer a separação pois sentem-se frustradas pelo fracasso da relação (apenas atribuído às mulheres).
Mas e depois quando perguntamos, então e tu, foste assim? A resposta é sempre… “Ah eu não, são as outras”.
Mas quais outras?
O mesmo em relação à violência doméstica. As actuais mulheres assumem automaticamente que as ex acusaram os seus maridos falsamente de violência doméstica porque com elas eles são maravilhosos e meigos…. Então essas OUTRAS é que mentem…
No entanto, passado anos é comum ver que afinal o comportamento violento existia…
E agora? Como reparar esse descrédito dado à palavra da outra mulher? Como reparar o descrédito dado a todas nós?
Queria citar ipsis verbis o Ricky Gervais numa frase que adorei e penso que se possa colar a este tema mas não encontro.
Ele referia-a em relação às religiões com ironia. Há milhares de deuses no mundo e milhares de religiões, mas o nosso Deus e a nossa religião é que é o verdadeiro, a dos outros não.
“Mais amor por favor”
Jamais pedir desculpa por centrar as mulheres!