A ‘economia da vagina’. Ou: faltam mulheres no topo das empresas.

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Imagem da exposição Mary Quant no Victoria and Albert Museum. Roupa feminina com nomes alusivos ao domínio masculino do mundo financeiro.

Tenho andado a guardar o tema para um ensaio mais aprofundado, mas como não estará para breve – que valores mais altos se alevantam em forma de outras solicitações escriturais – vou já aqui adiantando com um amuse bouche. No outro dia dei no twitter com este texto sobre a ‘economia da vagina‘ – isso: produtos para serem usados junto ou dentro da vagina. Desde dispositivos para absorver a menstruação, roupa interior absorvente que contenha o período ou episódios de incontinência urinária, vibradores, o que a imaginação (e a necessidade) aguçar o engenho.

Há muito mais tempo tinha lido outro texto sobre uma mulher, mãe, que inventou uma bomba de tirar leite mais eficaz que as existentes no mercado – para ver os investidores (masculinos) nem sequer tentando perceber por que razão o produto era necessário, fazendo comentários despropositados por estarem a avaliar uma mulher (a roupa que vestia, como conseguiria gerir um negócio com filhos, o blablabla do costume), recusando o financiamento.

Nos dois casos estão presentes as principais razões por que fazem falta mulheres com poder de decisão no topo das empresas.

A primeira: as necessidades de bens e serviços específicas para mulheres, ou mais adequadas às preferências de mulheres, não estão a ser oferecidas neste mercado dominado por homens. Porquê? Porque os homens – em média menos empáticos que as mulheres, donde com menor capacidade de se colocarem no lugar do outro (neste caso, outra) diferente – não fazem ideia das necessidades de bens e serviços que as consumidoras mulheres têm. Pior: não fazem ideia de que não fazem ideia. Como não têm necessidade de melhores dispositivos para o período que os tampões, nem de vibradores, nem de métodos contracetivos com menos efeitos secundários que a pílula, nem de bombas de tirar leite, nem de telemóveis desenhados à medida das mãos mais pequenas das mulheres, nem de carros testados com dummies que reproduzam os corpos femininos em vez de os masculinos, nem de medicamentos e tratamentos eficazes e o mais inócuos possível para doenças que afetam exclusivamente mulheres, e um quilométrico etc – bom, não lhes interessa perceber que o mercado devia fornecer resposta a todas estas necessidades das mulheres. Inventar produtos, inovar. Afinal as mulheres são metade dos mercados, não são propriamente um nicho irrelevante.

Apesar de uma relativa maior propensão para o risco por parte dos homens, a verdade é que, em se tratando de produtos destinados ao mercado feminino, os gestores masculinos são bastante conservadores, avessos a risco e inovação, temerosos, desdenhosos das propostas feitas por quem melhor conhece o mercado feminino (as mulheres, elas próprias).

A segunda: a dificuldade acrescida que as mulheres têm em obter financiamento para os seus negócios, e particularmente para os negócios que envolvem necessidades pouco sexy das mulheres (como aleitamento, menstruação, doenças). Tal como existem diferenças salariais entre homens e mulheres, também encontramos um gap de financiamento – as mulheres têm mais financiamentos recusados e são-lhe atribuídos menores montantes.

O resultado de tudo isto não é bom. Por um lado, as mulheres têm falta de bons produtos para algumas das suas necessidades específicas, têm de se contentar com o já inventado. É uma disfunção económica, porque existe procura mas não existe oferta. Por outro lado, é também uma má decisão de gestão: ao não se produzirem e venderem os produtos que as mulheres precisam e comprariam, as receitas das empresas são menores do que potencialmente seriam.

(E chamemos a atenção para o facto de este estado de coisas representar, mais uma vez, uma prova inescapável das limitações dos mercados. Os prosélitos hostis das reivindicações feministas geralmente argumentam que os mercados funcionam perfeitamente e que, havendo uma procura, inevitavelmente alguém irá fornecer a oferta. Da mesma forma que argumentam que as mulheres se fossem igualmente produtivas ganhariam tanto quando os homens – como se a produtividade fosse mensurável objetivamente na maioria dos casos. Mas os mercados são o resultado das ações individuais de muitas pessoas, todas elas limitadas e com preconceitos, nenhuma delas com a tal informação perfeita em que se baseiam os modelos económicos, nenhuma delas omnisciente.)

Esta é mais uma razão por que as mulheres fazem falta nos topos das empresas, nos cargos com poder de decisão. Existindo mulheres, as empresas teriam nos seus quadros quem conhece a parte do mercado desconhecida para os decisores masculinos. Donde, poderia tomar melhores decisões que abarcassem as necessidades de todos os consumidores e não somente a metade masculina. A capacidade de trabalho das outras mulheres que se candidatam a financiamento não seriam tão desprezadas, havendo maior facilitação do empreendedorismo feminino e, donde, maior criação de riqueza. Além, claro, de se tornar uma via mais aberta para a concretização das ambições e dos sonhos das mulheres que querem enveredar por uma carreira empresarial, potenciando-lhes o seu projeto de felicidade. Não cercear as aspirações das mulheres por limitações dos gestores masculinos na hora de avaliar produtos e mercados também é um resultado digno de se perseguir.

 

 

 

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Mãe de dois rapazes e feminista (das duas características conclui o leitor inteligente que não quer exterminar os homens da face da Terra). Licenciou-se em Economia ao engano, é empresária, mas depois encarreirou para os Estudos Orientais, com pendor para a China. É cronista do Público e escreve ocasionalmente ensaios sobre livros e leituras na Ler. Já foi blogger e cronista do Observador e Diário Económico. Considera Lisboa (onde nasceu e vive) a cidade mais bonita do mundo, mas alimenta devaneios com Londres e Hong Kong.

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