Este ano, concretamente desde Abril, a Dinamarca leva a cabo um programa para reduzir o número de divórcios. Antes, um casal que se quisesse divorciar, preenchia um formulário e o processo seguia os seus trâmites. Agora, a justiça (ou o governo… o que dá no mesmo!) instaurou um compasso de espera de três meses até aceitar o pedido. Nesses 3 meses, o casal aspirante a divorciado é obrigado a frequentar sessões de terapia de casal com o objectivo de… não se divorciar! Isso mesmo. O Estado pretende (cito): “reduzir os danos humanos e financeiros do divórcio” segundo Gert Martin Hald, professor de saúde pública de Universidade de Copenhaga, um dos cérebros que concebeu estas sessões de terapia obrigatórias.
A Dinamarca considera que tem uma taxa de divórcios muito alta. As estatísticas do Eurostat dizem que 55% dos casamentos na Dinamarca acabam em divórcio. Uma ninharia, se compararmos com os 70% de Portugal. Jovens, pensem bem se querem gastar dinheiro nessa efemeridade (e não efeméride!), tendo em conta o dinheiro que vão gastar para depois se livrarem disso. Aliás, depois de ver estas estatísticas compreendi porque é que existe uma rede tão grande a complicar divórcios, fazendo a coisa arrastar em tribunais e relatórios, assistentes, psicólogos; é, simplesmente, porque a quantidade de gente que ganha dinheiro à custa disto não é brincadeira e esse pessoal também precisa de sobreviver. Sem complicação processual, não haveria rodagem de capital.
Voltando à Dinamarca, as tais sessões de terapia são obrigatórias. Querendo ou não querendo, os aspirantes a divorciados lá vão tentar reconciliar-se em 17 sessões de meia hora. Portanto, em 8 horas e meia de conversa forçada de parte a parte, se resolve um casamento. Assentai esta fórmula, casais, em caso de necessidade futura!
Trata-se de um atentado do Estado à liberdade individual dos cidadãos. As leis são feitas para promover a segurança pública e proteger a autonomia dos indivíduos. Neste contexto, não está em causa a primeira premissa e é mesmo posta em causa a segunda. A lei pode, por vezes, restringir liberdades individuais a bem da segurança do conjunto: isso é verdadeiro e natural. Mas a que propósito isso se pode aplicar neste caso? Jamais. Como tal, discordo inteiramente desta parvoíce ditatorial e paternalista que obriga homens e mulheres a escrutinarem as suas relações perante terceiros quando não tinham escolhido esse caminho e a justificarem perante estes uma decisão que, certamente, não tomaram de ânimo leve. A quem aproveita esse remexer na ferida?
A Dinamarca já realizara uma experiência piloto com voluntários no ano passado e, portanto, afirma que a experiência funciona, dado que a taxa de divórcios caiu 17%. Não nos enganemos: a palavra-chave aqui é “voluntários”. Nunca alguém obrigado a realizar sessões de terapia obteve delas resultado algum, sobretudo duas pessoas que já não se querem ver nem estar juntas ou, pior cenário!, um se quer separar e outro não, aproveitando este último essas obrigações estaduais/judiciais para andar a rondar o outro e não o deixar em paz. Qualquer profissional habituado a lidar com violência doméstica sabe como um predador se aproveita destas benesses judiciais para não largar uma (potencial) vítima, com a desculpa “O Tribunal diz que temos de nos encontrar”.
Neste mundo civilizado, criaram-se tantas leis contra o “stalking” (vulgo “perseguição”, esta apenas entrou em vigor em Portugal muito recentemente e já veio tarde); contra a violência doméstica; contra a auto-determinação sexual (esta vergonhosamente mascarada, porque, se repararem, a violação é quase sempre tratada como “abuso” em Portugal, sendo que no caso de menores a lei só fala em abuso e não em violação); enfim, a lista continua… Mas depois, por oposição, criam-se parvoíces deste teor, contrariando liberdades adquiridas como a liberdade do divórcio numa sociedade civilizada.
Nos tempos que correm, os Estados laicos imbuíram-se de frementes religiosidades, considerando que o casal é um casal para sempre: se não aos olhos de Deus, aos olhos da Nação! Só falta ouvirmos o coro de velhas Ditaduras com certos slogans que pensávamos já esquecidos, e com a mulher e filhos a terem de pedir ao marido ou pai autorização para ter um passaporte (a velha ideia do passaporte familiar, que ainda consta de certos documentos da República Portuguesa). Aliás, este assunto bafiento e mórbido de pedidos de autorização para sair de onde se está vai contra a própria lei de circulação dos indivíduos, pedra de toque de Portugal na Europa – mas isso fica para outro texto que escreverei em breve.
A ideia do casal para sempre começou a acentuar-se nos últimos tempos. Nos anos 80 e 90, as pessoas divorciavam-se e tinham direito a refazer a sua conjugalidade e a viver longe de quem se separavam – as palavras chave são “separação” e “liberdade individual”; não estou longe da Constituição. Hoje, isso é socialmente mal visto. Hoje, “serão sempre um casal” e denominam-se “casal parental”. Quiseste ter filhos? Então, serás sempre mulher parental do indivíduo X (inclusivamente se nunca foste sua mulher, isto é se nunca foram casados). Esta ideia é um conceito que atenta às liberdades individuais de ambos os sexos, mas sobretudo às femininas – pois nas nossas sociedades, o homem pode ter um harém, o que até lhe dá um certo ar de garanhão, mas se a mulher faz parte de um “casal”, teórico ou real, não poderá fazer parte de outro sob pena de ser adjectivada com os epítetos que todos conhecemos…
A quem diz que as crianças sofrem por não ter pai e mãe presente, a resposta é simples: as crianças sofrem por não ter quem as ame e por não viverem num ambiente de segurança. Sempre foi assim e sempre será. Quanto ao mais, se quem as cria ou educa é o pai e a mãe, só a mãe, só o pai, dois pais, duas mães, uma tia, um avô é mais ou menos irrelevante, desde que seja a sua pessoa. A pessoa que elas (crianças) referem como porto seguro. Alguns miúdos têm mais que uma pessoa; outros apenas uma; desafortunados são os que não têm ninguém (infelizmente, são muitos). Não ter ninguém não significa que não vivam / convivam com essas pessoas. Alguns de nós podem testemunhar na primeira pessoa o que é viver com pais presentes cujo abuso fez mal em vez da presença fazer bem. Muitos de nós fomos na infância de 80 e 90 filhos de pais divorciados e sabemos que a separação em si não vaticina desgraça para as crianças; por vezes, até as liberta de casos tristes. No entanto, vive-se hoje um clima de “o divórcio é mau para os meninos” – insisto, não sei se é uma tentativa de recuperar ideais do Estado Novo sub-repticiamente.
Em 2014, quando Obama era Presidente dos E.U.A., os Republicanos aconselharam veementemente uma nova política económica que visava aconselhar as mães sozinhas (solteiras, divorciadas) a casarem-se porque, essencialmente, os seus filhos nunca poderiam almejar a ser nada se elas continuassem a criá-los em solidão, na pobreza e na “vergonha”. Esqueceram-se foi de um pormenor: o próprio Obama era filho de uma mãe sozinha, não sendo propriamente símbolo de insucesso, nem social nem académico nem económico nem afectivo…
Voltando à Europa actual: se esta ideia da Dinamarca assusta, não é preciso voar até ao Norte frio. Portugal também importa ideias peregrinas, caso existam filhos num casal separado. Chamam-se “constelações familiares”. Há muitos sites: exemplos também aqui e aqui,.Só não coloco exemplos de juízes e advogados a ordenar ou aconselhar estas terapias para não levar com processos, pois algo que tenho reparado em Portugal é que o conceito “crónica de opinião” e mesmo o conceito “tese” é entendido como se estivéssemos a desafiar alguém para um duelo do século XVIII…Não se trata disso nem fomento tal.
Recapitulando: a ideia, diz o sistema que a impõe, nasceu da terapia Zulu – cultura tribal extremamente popular em Portugal, e da qual se percebe imenso na Europa. Toda a família (pais desavindos, avós, filhos, e o mais que haja) são obrigados pelo sistema a participar em sessões de reconciliação familiar, mesmo que um deles tenha partido a coluna vertebral do outro, o que implica pouca vontade de se verem e certo perigo de se andarem a promover contactos. Nestas sessões diz-se frequentemente a frase: “a família é a nossa sina”, em resignada demonstração do fado-destino, e certo pendor astral. Basta pesquisarem um pouco para perceberem que não há aqui nada de científico. As palavras usadas são “guru”, “estrelas”, “jogo da família”, “vidas passadas”, “karma”… Para uma mente científica, mandarem-nos entrar nisto é como colocar um penso rápido para estancar uma gangrena. Gostava de ressalvar que isto é uma prática mandatada por alguns Tribunais em Portugal para resolução de acordos e transformação de um casal que se separa no tal casal para sempre.
Seria interessante os senhores que promovem esta coisa irem viajar até ao Sul da África para conhecerem um pouco desse grupo étnico que dizem ser os precursores desta “técnica”, os Zulu. Percebiam, então, este pormenor interessante: os Zulu não fazem nem nunca tiveram uma “terapia”. Isso não são manhas Bantu. São invenções de um tipo para ganhar dinheiro.
Pensar, analisar, interpretar é importante. Quanto ao mais, apetece usar uma frase, já gasta, mas muito relevante: foi mesmo para isto que se fez o 25 de Abril?
“Uma ninharia, se compararmos com os 70% de Portugal”
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“sendo que no caso de menores a lei só fala em abuso e não em violação”
Fala sim – ver os pontos 6 e 7 do artigo 177º do código penal:
“As penas previstas nos artigos 163.º a 165.º [coação sexual, violação, abuso sexual de pessoa incapaz de resistência], 168.º [procriaçao artificial não consentida], 174.º [recurso à prostituição de menores], 175.º [lenocínio de menores] e no n.º 1 do artigo 176.º [pornografia de menores] são agravadas de um terço [de metade], nos seus limites mínimo e máximo, se a vítima for menor de 16 [14] anos”
Ou seja, a lei prevê claramente a violação de menores, até dizendo que o crime é punido mais severamente nesses casos. Ou seja, se alguém agarrar uma rapariga de 15 anos, a levar contra a vontade dela para trás de uma moita e lá ter relações com ela, é violação, não é “abuso”.
O que a lei portuguesa (e penso que a maior parte das leis de tradição continental ou latina) não faz (ao contrário dos EUA, p.ex.,) é chamar o mesmo nome (“violação”) ao sexo sem consentimento (independentemente da idade da vítima) e ao sexo que, do ponto de vista da vítima até pode ter sido “consentido”, mas que é crime por causa da idade da vítima – estilo um homem que arranja uma namorada de 13 anos e a convence a ter relações sexuais (o que nos EUA seria “violação estatutária”, mas em Portugal é “abuso” – mas o “abuso sexual de crianças” até tem a mesma pena que a “violação”, 3 a 10 anos de prisão).
Caro Miguel Madeira, não entro em diálogos em caixas de comentário até porque não tenho perfis em redes sociais. Como resposta à sua opinião (opiniões temos todos até o empirismo nos bater com a crueza da realidade à porta), só lhe posso dizer o seguinte: é curioso que, de tudo o que eu disse, só me venha falar em violações de menores que não são o tema deste artigo. No entanto, posso responder-lhe. Se X violar um menor, a lei continuará a prever o crime de abuso, porque a violação exige prova de penetração o que – nesta nossa ronha – só se consegue fazer se a vítima apresentar prova de DNA do culpado. Desafio-o a encontrar um menor que consiga apresentar prova de DNA do seu violador. Caso contrário, até pode ter rompido o ânus e fazer fezes líquidas para o resto da vida – é abuso. Provavelmente abuso que será ilibado por “falta de provas. Vá por mim. Boa tarde.