“À medida que desciam a lomba alpestre que mergulha para o rio, deparavam-se-lhe a cada passo vestígios da recente mineração. Mas à labuta infrene dos meses anteriores, tinir de marras nos guilhos, estrondo de tiros, vozes ásperas e todo o borbulhar do formigueiro humano, sucedera a imobilidade sepulcral.” AQUILINO RIBEIRO, Volfrâmio
O sonho mais primário de enriquecimento material do ser humano é obter fortuna rapidamente, desenterrar no quintal das traseiras um tesouro escondido é o ideal. Assim também acontece com os países quando sonham com modelos de desenvolvimento por via da indústria extrativa de recursos minerais.
São três os principais argumentos utilizados para justificar este novo “plano de fomento mineiro” para a indústria extrativa em Portugal, que aponta como objectivo principal a extração do lítio (mas alargado a outros minerais), são estes: a transição energética, o dumping ambiental e o emprego.
Comecemos pela transição energética. A transição energética é inevitável para o combate às alterações climáticas, e para que seja possível é necessário que se diminua a dependência energética dos combustíveis fosseis. Há que integrar cada vez mais fontes de energia renovável e proceder à electrificação dos consumos (a mobilidade eléctrica é um exemplo), para isso é necessária uma componente fundamental do sistema eléctrico – o armazenamento. Armazenamento que pode ser provido por várias formas, mas para pequenos dispositivos as baterias (nomeadamente as de iões de lítio) são elementos essenciais do sistema.
O lítio no curto e médio prazo vai estar presente nos dispositivos de armazenamento dos sistemas eléctricos. A questão não é ser contra ou a favor da extração deste minério, as questões são outras e mais complexas. É Portugal, com a geografia natural e humana que lhe reconhecemos o local ideal para uma indústria tão agressiva que requer colossais minas de lítio a céu aberto? As populações e os autarcas, têm dito sistematicamente que não.
Admitir como adequado o impacto ambiental de minas de pegmatito com 800 metros de diâmetro e 350 de profundidade (como no caso de Montalegre), no interior povoado do Alto-Minho, em Trás-os-Montes ou nas Beiras, é ser insensível à paisagem natural e humana do interior rural de Portugal, é caminhar no sentido oposto à ambicionada sustentabilidade. A destruição da biodiversidade, dos recursos hídricos, das actividades económicas e dos territórios habitados é incomensuravelmente maior se esta actividade vier a ser realizada em Portugal, quando comparada com as planícies desérticas da Austrália ou do continente americano.
Não precisamos de extrair lítio em Portugal para realizar os objectivos da transição energética, como não precisamos e não vamos ter o cobalto e o níquel suficiente, elementos igualmente importantes na construção das baterias de iões de lítio. Aliás, o contributo para as emissões de CO2 da actividade associada a este mega projecto mineiro vai ser enorme, como comprova o recente relatório da QUERCUS.
Quanto ao segundo argumento, o dumping ambiental, a questão é demagógica. A promessa é fazer uma exploração de acordo com as boas práticas da indústria extrativa, com o selo do “green-minning”, ao contrário de outros países. Estamos a falar de que países? Da Austrália, do Canadá?
Sabemos que não, o argumento é usado por comparação à indústria extrativa em África, por exemplo na República Democrática do Congo, onde são utilizadas crianças na actividade mineira. Acontece, que muitas dessas minas ilegais estão ligadas a um dos elementos também utilizados nas baterias, o cobalto, e não o lítio. A solução para o combate à mineração sem regras não passa por instalar minas novas em Portugal, mas ajudar a corrigir na origem, onde os problemas existem.
Quanto ao cadastro da indústria extrativa de minerais e inertes em Portugal, este fala por si. O século passado legou-nos rios e terrenos contaminados e os que foram recuperados custaram milhões de euros aos contribuintes portugueses. Ainda, não tínhamos curado as muitas cicatrizes do passado e o novo século trazia ao conhecimento de todos a impunidade em que atua esta indústria: dezenas de mortos, quedas de infraestruturas públicas, pontes e estradas.
Muito recentemente ficámos com uma ideia, ainda que parcial, da selvajaria que é a actividade das pedreiras e do risco que impõe à comunidade. Para cúmulo, escutamos – como argumento abonatório – que as minas de lítio a céu aberto não são mais que umas grandes pedreiras!
A promoção do emprego, o terceiro e último argumento, alguns defensores da causa até têm pudor de o usar, tal a ilusão associada. As modernas e colossais minas de lítio a céu aberto empregam hoje umas poucas dezenas de trabalhadores – são capital intensivo -, portanto há que desconfiar de qualquer dos números apresentados. De acordo com a própria empresa que vai explorar as minas do Barroso (Savannah) vão ser gerados 3 centenas de empregos. Portanto, devemos abandonar 150 pessoas de três aldeias do Barroso à sua sorte, escalavrar um património natural único e classificado Património Agrícola Mundial pela FAO e tudo por uns supostos 300 empregos por 11 anos de actividade? … 11 anos?
Quanto Portugal atingir a neutralidade carbónica em 2050, há muito terão encerrado as minas do Barroso e com elas terá desaparecido tudo: pessoas, animais, água e até a pouca actividade económica verdadeiramente sustentável que existe. Por certo sucederá a imobilidade sepulcral de que fala Aquilino. Que modelo de desenvolvimento é este?
Por fim, a corrupção. Infelizmente a indústria extrativa e a corrupção andam sempre associadas, mesmo em países desenvolvidos como a Austrália e o Canadá, onde também incidiu o inquérito que deu origem ao relatório “Combatting corruption in mining approvals: assessing the risks in 18 resource-rich countries” da ONG – Transparency International – e em Portugal, dificilmente, podemos escolher ter uma sem a outra. A corrupção (ainda que nunca moral e legalmente aceitável) só é tolerável nas democracias em pequenas doses homeopáticas, caso contrário pode provocar um choque anafilático ao sistema democrático, e colapsá-lo. Os inimigos da democracia sabem disso. Queremos também correr esse risco?
É importante sabermos o que nos trouxe aqui, um plano franco-alemão para salvar a indústria automóvel europeia, e sim, salvar as suas fábricas e os seus empregos, mas no qual nos coube em sorte – a fava.
Em Portugal, este modelo de desenvolvimento extrativista atenta contra a “Casa Comum” e os mais abandonados dos nossos concidadãos, os que vivem no interior do país. Esta é uma causa pela defesa do património natural de Portugal, dos seus ecossistemas, da sua biodiversidade, dos recursos aquíferos, mas é também, uma grande causa da democracia – uma luta contra a instalação de um Far West.