Nesta campanha eleitoral, os partidos portugueses acordaram definitivamente para a mais política das redes sociais – o Twitter – que é, nestes dias que antecedem as eleições, uma espécie de “clube de combate”. Na sequência das entrevistas que a TVI promoveu, na última semana de agosto, com os líderes dos principais partidos políticos, em que pediu na rede social Twitter perguntas e opiniões sobre o desempenho dos entrevistados, disparou a polémica sobre a instrumentalização da rede. Houve, também, quem questionasse o aparecimento de um exército de novas contas, com muito poucos seguidores, sinalizando um uso instrumental de contas falsas, ou mesmo de bots.
Se este comportamento propositadamente manipulatório foi por demais evidente durante os debates, não foi um procedimento novo nem isolado, faz tempo que a rede vem sendo utilizada na busca de maior visibilidade e disseminação de opiniões políticas, várias notícias dos OCS têm dado conta disso mesmo.
Em Portugal, o Twitter foi sempre um nicho, quase elitista, quando comparado com o Facebook, dadas as suas características particulares, mas foi sempre a rede privilegiada por políticos e jornalistas – a regra foi sempre o short-statement, a notícia de última-hora, nos últimos tempos temos assistido também à entrada dos institucionais: organismos públicos, empresas, académicos, cientistas e outros que a usam apenas para fins mais convencionais.
Nem tudo é fácil, em alguns casos a rede tem sido o terror dos gabinetes de comunicação, mas a tentação de a instrumentalizar, nomeadamente para fins eleitorais, é muita. O mais interessante caso de estudo é a forma magistralmente anárquica como Trump gere a sua conta, à medida da sua política também ela aparentemente caótica, subjugada aos interesses da sua reeleição em 2020.
Em Portugal, para alguns pequenos e médios partidos e outros recentemente criados, o Twitter é um instrumento político usado sistematicamente, na angariação de financiamento, no recrutamento de simpatizantes e na doutrinação dos potenciais eleitores, nomeadamente os mais jovens e instruídos – que são também os mais eficazes na multiplicação da mensagem.
Os grandes partidos usam o Twitter de uma forma bem menos coordenada e eficaz, usam-na mais como balão de ensaio de determinadas ideias e propostas. Ao contrário, os partidos novos tem formas de actuação concertadas para disseminação da mensagem em rede. Onde os partidos pequenos têm mais dificuldade é no que respeita à centralidade na rede, pela simples razão que os partidos clássicos têm elementos que são figuras públicas bem colocados na rede, com muitos seguidores em todo o espectro político – mas até isto está a mudar.
Por norma, nas discussões políticas nas redes sociais, os média e os jornalistas são obviamente os mais fortes, resultado do elevado número de seguidores – são os elementos com maior centralidade e por vezes o ignitor das discussões políticas mais acesas que geram as famosas bolhas. A bolha é um fenómeno criado na rede por meia dúzia de influenciadores, que divulgam ou comentam conteúdos originais ou polémicos que por sua vez têm menções, retweets e likes de centenas de seguidores, e que se multiplicam na rede em milhares de interacções.
Outra característica importante, diga-se até, saudável, da rede em Portugal é que não está muito espartilhada, como por exemplo acontece nos Estados Unidos, onde conservadores apenas se ligam a conservadores e democratas a redes de democratas dando às discussões políticas um indiscutível autismo. Por cá, ainda que a percepção pública não seja essa, há um forte entrosamento na rede entre elementos simpatizantes de um e de outro lado do espectro político – o que é bom. Nas discussões políticas em Portugal, na rede Twitter, não é frequente aparecerem bolhas individualizadas à esquerda ou à direita, o mais comum é os temas políticos produzirem uma bolha única. Há depois duas outras grandes constelações que, por vezes, interceptam a da política: são a do humor e a do futebol.
Não sendo especialista em redes sociais atrevi-me a estudar “a bolha” da entrevista da noite de 28 de agosto ao Primeiro-Ministro António Costa, que suscitou tanta polémica. O grafo de rede foi obtido de uma amostra da actividade do Twitter associada à hashtag #CostaBem e #CostaMal na noite do dia 28 de agosto; os nós do grafo são contas de Twitter que tiveram actividade e o tamanho está associado ao número de interacções da conta; os ramos que ligam os nós representam interacções entre as contas (mentions, likes, retweets ou quotes).
É visível que houve uma bipolarização da discussão em rede que ultrapassou a simples menção para efeito de contagem da hashtag, no núcleo central observam-se dois clusters associados a contas que se comportaram como influenciadores da discussão política que se originou à volta das hashtags e que excedeu a simples votação. Se muitos naquela noite estavam apenas de passagem e pararam para “ver a bola” e votar (os satélites na órbita exterior), outros houve que estavam em campo a “jogar como profissionais”.
Numa amostra de tweets produzidos na noite da entrevista e associados a estas duas hashtags de: 5694 tweets (dos quais foram excluídos os RT, as múltiplas referências, bem como as referências contraditórias); produzidos por um total de 1893 contas associadas; dos quais se contabilizou 60% de menções à hashtag #CostaMal e 40% à hashtag #CostaBem (não coincide com os exactos valores da TVI pela razão que a amostra e o algoritmo não são exactamente os mesmos – para o efeito os resultados comparam bastante bem).
Mais do que o resultado, o que gerou mais controvérsia foi este poder ter sido influenciado pelo aparecimento de novas contas, com poucos seguidores, que podia indiciar terem sido criadas com o propósito de influenciarem o resultado final da contagem (podendo ser bots ou não).
Da observação do perfil da antiguidade das contas temos que 22% destas foram criadas em 2019. Na semana que antecedeu o debate é por demais evidente que houve um número anormalmente alto de contas criadas nos dois últimos dias, no próprio dia do debate foram criadas 183 contas, quase 10% do total da amostra.
Não é de estranhar um baixo número de seguidores associados a muitas das contas, quase 40% destas tem 10 ou menos seguidores, o que normalmente indicia que são contas recentes ou usadas apenas para fins pontuais e/ou instrumentais, como, por exemplo, a acção política.
Este foi só um exemplo, de muitos, que demonstram que em Portugal a rede Twitter vai continuar a crescer para a política – e uma das consequências mais óbvias é ser, cada vez mais, um alvo privilegiado da manipulação com fins políticos.
Ainda assim, o Twitter é, por enquanto, a melhor rede para a discussão/interação da política por ser (esperemos que assim se conserve) a mais escrutinável das redes sociais. Infelizmente, esta é também a razão pela qual os manipuladores estão a migrar para outras redes bem menos escrutinadas.
Este texto não pretende ser uma crítica à utilização das redes sociais para o debate político, bem pelo contrário, mas devemos estar conscientes que são redes, e como qualquer outra rede, também estas podem ser manobradas – não o podemos evitar, no mínimo, podemos estar atentos e informados.