Começo por contar que tínhamos já combinado uma conversa com Filipa Roseta, a candidata cabeça de lista pelo PSD em Lisboa nas próximas eleições de 6 de outubro, antes de (ambas) sabermos das listas eleitorais. O seu trabalho como vereadora na Câmara Municipal de Cascais (que merece destaque por si só), as ideias próprias – fiquei impressionada com Filipa nas Conferências do Estoril quando questionou a Ministra da Justiça por causa das adjudicações diretas com dinheiro da Segurança Social (já lá chegamos) – e uma certa história que me relatou de injustiças no reconhecimento profissional dado às arquitetas versus o que se dá aos colegas masculinos (também lá vamos, prometo) – bom, garantiram logo que quiséssemos tê-la aqui na Capital Magazine.
Depois veio o convite a Filipa Roseta para encabeçar o PSD em Lisboa – ‘não estava de todo à espera’ – e ficou ainda mais necessário conhecermos melhor as ideias e o funcionamento da candidata com todo este destaque, e que será eleita sem risco.
Confesso alguma parcialidade com as características de Filipa Roseta. Num mundo cada vez mais polarizado, transparece de rajada na candidata a capacidade de olhar para a realidade e ponderar que tipo de políticas podem resolver ou aliviar os problemas, sem sectarismos nem fanatismos. Em vez de aplicar à força fórmulas ideológicas à realidade, independentemente dos efeitos, da adequação e das consequências. Ou de, sequer, a realidade não caber nessas fórmulas. A vontade de Filipa é fazer política – no sentido mais nobre do termo, o de promoção do bem comum – em vez de guerra ideológica estéril.
‘Defendo a liberdade e a pessoa face aos abusos do estado,
é a minha maior bandeira.’
Se fizesse uma nuvem com as palavras mais proferidas por Filipa Roseta na nossa conversa, ‘pragmatismo’ estaria a negrito em tamanho considerável. Como às tantas dizia, sobre o mercado imobiliário, ‘os problemas mudam consoante o mercado está vivo ou o mercado está congelado, as políticas têm de ser diferentes. É como quando se está a cozinhar, quando está frio, dá-se lume, quando está a ferver, baixa-se.’ E rematava: ‘falta um pragmatismo gigantesco’. Noutra ocasião pareceu dar o mote da sua atuação: ‘pragmatismo, racionalidade, bom senso’.
Filipa traz consigo a marca da política autárquica. Os autarcas são grandes problem solvers dos imbróglios que dificultam a vida das populações. A tónica da atividade está em facilitar a vida dos munícipes e resolver-lhes questões problemáticas quotidianas.

Talvez por esta travessia na política autárquica, bem como pela formação de base em Arquitetura, a questão da habitação e do mercado imobiliário é fulcral para Filipa, que promete que, quando eleita, ‘vou estar muito focada na habitação’. Lá está: as pessoas precisam de ter casas onde viver e, por outro lado, as cidades precisam de ser vividas. Não é um problema de somenos, repara a candidata: ‘o problema da habitação historicamente é daqueles que alimenta revoluções na Europa’. Uma das causas da subida dos preços das casas são os vistos gold. Ora: ‘Com o mercado imobiliário a subir, os vistos gold têm de ser redefinidos e eu não percebo por que não foram. Isso não implica nada se não ter bom senso e pragmatismo [lá está] e olhar para o território. Os vistos devem passar para o interior, para dinamizar outras zonas. Podem ser interessantes, especialmente se forem produtivos, de empresas que vêm para cá.’
É a ideia de adequar as políticas à realidade em mudança. ‘Quando o mercado começa a subir, tens de ter cuidado para ver se não sobe muito rápido e não por políticas que estimulem ainda mais a subida, que é o caso dos vistos gold. Foi uma política posta, e bem, quando o mercado estava congelado e era importante dinheiro a entrar.’ Receita? ‘Pragmatismo acima de fundamentalismo ideológico.’
‘Pragmatismo acima de fundamentalismo ideológico.’
Mas nem só de pragmatismo vive Filipa Roseta. Há alguns princípios condutores que lhe orientam o pragmatismo. Um deles é ‘dar visibilidade a quem não a tem’. Dá um exemplo da câmara de Cascais, com ‘os bairros clandestinos há 30 anos, que não estão legalizados por problemas incontornáveis urbanísticos, por exemplo parte do bairro estar em leito de cheia e por isso não se consegue legalizar o bairro todo. A maioria das pessoas desconhece estes fenómenos’. Segundo Filipa, tem de se ‘ter muito cuidado com quem está a ficar para trás e fora do acesso à habitação’.
Outro princípio, ainda mais estruturante: ‘defendo a liberdade e a pessoa face aos abusos do estado, é a minha maior bandeira’. Esta afirmação foi proferida no contexto do que levou à acima mencionada interpelação de Filipa à Ministra da Justiça, de uma situação que a própria ministra descreveu como ‘bizarra’: o facto de a Fundiestamo – o fundo imobiliário proprietário de imóveis em ruínas que vai usar 1.400 milhões de euros de dinheiro da Segurança Social (isso, dinheiro para as pensões) para fazer obras e rentabilizar os edifícios – ‘não ficar ao abrigo do código dos contratos públicos’ segundo decisão recente do governo. Ou seja: pode adjudicar obras livremente sem seguir os procedimentos dos concursos públicos. ‘Este é um sistema que é opaco, não é transparente e é propiciador de corrupção. Vai ser a Fundiestamo a fazer o seu próprio manual de transparência.’ Para Filipa Roseta, ‘tudo o que são obras têm de passar pelo código dos contratos públicos. Não mudava nada no código. Temos de ver que na função pública o dinheiro não é nosso.’
Também por esta opacidade propiciadora de corrupção critica as relações familiares que perpassam o governo. ‘Temos de ter sistemas que promovam a transparência. Por isso é que o nepotismo no governo é tão perigoso. Quando temos várias pessoas no conselho de ministros, vigiam-se umas às outras. Mas a pessoa não vai denunciar o pai.’
‘Quem tem ganho estes concursos são jovens nos trinta anos que dão tudo para ganhar porque querem ficar cá no país. É maravilhoso, estamos a dar-lhes estrada para eles correrem. São jovens, sem experiência, mas muito bons. Esta é uma forma de fixar talento em Portugal.’
Para os contratos públicos, Filipa dá o exemplo do que se tem feito em Cascais – e de que visivelmente se orgulha. ‘Temos a política de abrir os concursos a toda a gente que quer concorrer. E quem tem ganho estes concursos são jovens nos trinta anos que dão tudo para ganhar porque querem ficar cá no país. É maravilhoso, estamos a dar-lhes estrada para eles correrem. São jovens, sem experiência, mas muito bons. Esta é uma forma de fixar talento em Portugal. Depois, pegamos nos classificados seguintes até ao 5º e damos-lhes os trabalhos mais pequenos que podemos adjudicar diretamente [até 20.000€]. A bolsa de arquitetos que estamos a escolher para estes casos é uma bolsa por mérito, a pessoa competiu, é boa, ficou em 2º, 3º, 4º.’ A ideia é ajudar os arquitetos mais novos a ganhar curriculum, de forma a dar-lhes trabalho por cá, fixar este talento e impedir que tenham de ir trabalhar para ateliers no estrangeiro.
‘Se o curriculum tiver um peso muito grande na escolha, como nos concursos públicos em Lisboa ou do Fundo Nacional de Reabilitação do Imobiliário, não damos espaço para uma nova geração crescer. E os melhores o que é que fazem? Vão-se embora. As Pessoas não têm ideia, mas é falada a arquitetura portuguesa como marca internacional. Penso mesmo que é um modelo que pode funcionar e pode ser bom noutras câmaras. Vamos ter orgulho, daqui a 10 anos, de olhar para a geração dos que trabalharam aqui em Cascais.’

Por falar em arquitetos. Para Filipa Roseta, o ano de 2012, quando Wang Shu ganhou o prémio Pritzker, foi o ano em que embateu na realidade da disparidade de recompensa e reconhecimento pelo trabalho entre homens e mulheres. É que o Pritzker foi apenas atribuido a Wang Shu e não à sua mulher, Li Wenyu, também arquiteta no mesmo atelier. A injustiça foi tal que Caroline James, de Harvard e da Women’s in Architecture, fez uma petição mundial para que o prémio fosse alargado à parte feminina do casal também. Chegou a vir a Portugal conhecer quem tinha assinado a petição – e eram três arquitetas com apelido Roseta.
Outro caso foi o de Denise Scott Brown, cujo marido, mais uma vez, foi o único a ganhar o prémio nos anos 80, apesar de ela ser uma presença incontornável no trabalho do casal. Caroline James deu tanta visibilidade a esta injustiça que atualmente Denise Scott Brown tem recebido bastantes prémios. Em todo o caso, a perplexidade de Filipa (e a de qualquer pessoa) mantém-se: ‘como é que naquele nível de sofisticação intelectual se passa isto? Nestas coisas não dá para deixar de ver, não dá para unsee‘.
A partir daí Filipa Roseta começou a participar no lóbi das mulheres na arquitetura. Foi procurar a primeira mulher a doutorar-se em arquitetura em Portugal: Teresa Fonseca, no Porto. O doutoramento é de 1982, mas Teresa Fonseca, quando Filipa chegou a ela, continuava ainda sem ser professora associada. Tinham-lhe passado alunos, orientandos, inúmeros homens à frente. Ela nunca foi considerada suficientemente boa. ‘Como é que trazes visibilidade para este problema?’, interroga-se Filipa. ‘Tem de ser com números, com razoabilidade, com calma.’ Dar visibilidade a quem não tem – outra vez este princípio norteador.
‘Este é um sistema que é opaco, não é transparente e é propiciador de corrupção.’
Questionada pelas áreas políticas a que vai dedicar-se, deu três: habitação, transparência e educação. Na nossa conversa longa também passámos pela educação – mas, helás, as ideias de Filipa Roseta terão de ficar para outra ocasião. Ainda assim, passo, brevemente, para terminar bem, por outro dos temas que faz animar a candidata: a sustentabilidade ambiental. Ligada à habitação, claro, também. Refere mesmo que ‘teremos de ter rapidamente casas a produzir energia’.
A sustentabilidade passa também pelos transportes e pela mobilidade. ‘Os transportes do futuro, com as revoluções dos telemóveis, são a ferrovia e o que eu chamo, por não ter melhor expressão, a uberização de tudo o resto. Vai haver um transporte muito mais dedicado à própria pessoa. Com veículos de energias renováveis, elétricos. Vai acontecer rapidamente, está por anos.’
É outra das características de Filipa Roseta: o entusiasmo pelo que aí vem. ‘Tenho carinho pela inércia dos portugueses, porque tem a ver com a tradição, que é bonita e eu gosto de acarinhar. Mas eu tenho esta coisa de querer que o futuro chegue muito depressa.’
Texto de Maria João Marques. Fotografias de Isabel Santiago.