Casos de mulheres mais eficientes e rentáveis – mas ganham menos que eles

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Imagem aqui: https://www.dallasnews.com/sports/fc-dallas/2019/07/04/megan-rapinoe-expects-to-be-ready-for-the-fifa-women-s-world-cup-final-as-the-uswnt-takes-on-the-netherlands/

O gender wage gap – as desigualdades salariais entre homens e mulheres, que em Portugal são globalmente 17% – é assunto que nunca se vai embora. Pelo que convém irmos, a espaços, lembrando a profunda desonestidade dos argumentos dos que querem manter o status quo de mulheres ganhando menos que os homens. Porque se desmontam, e desmontam, e desmontam – e os negacionistas do wage gap continuam quais terraplanistas indiferentes aos relatos da experiência comum das mulheres, à pesquisa científica e às estatísticas. As suas visões tacanhas e ultramontanas e desinformadas do mundo devem sobrepor-se à abundante evidência que dá conta de discriminações no pagamento que, no fundo, têm apenas este fundamento: a crença religiosa de que as mulheres não devem ser tão bem pagas como os homens para manter o desequilíbrio nas relações de poder entre os sexos.

Claro que ninguém assume que é um machista que considera que o mundo deve ser governado em favor dos homens. Fica mal. Por isso inventam-se uma série de racionalizações, desculpas, alarvidades que se repetem até à exaustão, para alegadamente justificar a diferença de pagamento entre homens e mulheres. Ora porque a maternidade isto e aquilo (tretas; como se ficar poucos meses em casa, uma ou duas vezes na vida – porque no ocidente a taxa de natalidade é baixa, relembremos – tornasse alguém menos produtivo; ou como se ter filhos para sustentar não fosse incentivo, e aprendizagem, para maior eficiência). Ora porque as mulheres não sabem negociar ordenados e não pedem aumentos – é mentira e retinta. Ora porque as mulheres querem tomar conta dos filhos e não têm ambição – outra mentira muitas vezes desmontada. Outra é mais insidiosa: as mulheres não produzem tanto como os homens (sobretudo em áreas subjetivas em que se decide o que se entende como bom segundo as perspetivas do decisor) e não são tão eficazes nos seus empregos (mesmo quando geram mais receita; enfim). Donde, pela avaliação subjetiva, não merecem ordenados tão grandes, nem prémios abundantes, nem promoções. Também há numerosa pesquisa feita sobre esta subavaliação consistente das mulheres, e já trouxe alguma neste texto.

Hoje trago-vos histórias de mulheres que eram claramente tão eficazes ou geradoras de receita como os colegas masculinos, se não mesmo mais, e ainda assim tinham pagamentos inferiores. Por que razão? Porque são mulheres e paga-se menos às mulheres.

Temos o caso recente das jogadoras da seleção americana de futebol, chefiadas pela fabulosa Megan Rapinoe, que processaram a sua federação por receberem menos que os jogadores de futebol masculinos (aparentemente solidários com as suas colegas). Isto apesar de ganharem campeonatos mundiais repetidamente, ao contrário das prestações sofríveis dos jogadores homens americanos, e de gerarem mais receita de publicidade.

Temos Clare Foy, na série de televisão The Crown. Representou a protagonista absoluta, a rainha Isabel II, ganhou prémios, foi elogiadíssima, a absoluta estrela da série de tv. No entanto, ganhou menos que Matt Smith, que representava o seu marido. A Netflix nunca lhe pagou a diferença.

Jennifer Lawrence, a mega estrela, também foi paga em menor montante, juntamente com Amy Adams, face aos dois protagonistas masculinos em American Hustle. O caso soube-se através de uma fuga de emails.

Temos outro caso igualmente vergonhoso. Carrie Grace, a editora da BBC em Beijing – onde são necessárias tremendas qualificações, desde logo falar mandarim e entender bastante bem e ser proficiente na cultura e história chinesa e asiática – despediu-se depois de a BBC ser obrigada a revelar quanto pagava aos seus jornalistas e apresentadores e a correspondente na China descobrir que, dos quatro editores internacionais da BBC, os dois homens eram pagos mais cinquenta por cento que as duas editoras mulheres. Por que razão? Eram mulheres. Não eram menos eficazes e produtivas, nada disso, mas eram mulheres, donde… O processo que se seguiu obrigou a BBC a pagar a diferença a Carrie Grace.

Estes quatro exemplos são claros a desmentir a ligação entre menor pagamento e menor produtividade ou geração de receita. São somente os casos mediáticos; muitos outros nunca se escancaram. Devemos usá-los. E não esquecer que os argumentos dos negacionistas do wage gap visam denegrir-nos e minorar as nossas capacidades e potencialidades. De cada vez que se levanta a questão do gender wage gap, além das desonestidades argumentativas, vêm também as tiradas ‘as mulheres com mérito conseguem ganhar tanto ou mais que os homens’, ‘o choradinho do wage gap é para quem não se quer esforçar ou não é boa no que faz, pelo que não deve ser recompensada’. São argumentos para nos menosprezar – e calar, na tentativa de não sermos associadas a estes falhanços. Devemos sempre responder com factos e com outra verdade do senso comum: os homens negacionistas do wage gap são homens que têm medo de concorrer em igualdade com as mulheres pelo bolo da recompensa salarial.

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Mãe de dois rapazes e feminista (das duas características conclui o leitor inteligente que não quer exterminar os homens da face da Terra). Licenciou-se em Economia ao engano, é empresária, mas depois encarreirou para os Estudos Orientais, com pendor para a China. É cronista do Público e escreve ocasionalmente ensaios sobre livros e leituras na Ler. Já foi blogger e cronista do Observador e Diário Económico. Considera Lisboa (onde nasceu e vive) a cidade mais bonita do mundo, mas alimenta devaneios com Londres e Hong Kong.

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