Em outubro vamos voltar às urnas para votar nas eleições legislativas, independentemente dos resultados o mais certo é a taxa de abstenção ser elevada e, novamente, vamos recriminar os abstencionistas com os recorrentes e vagos alertas sobre a desvitalização da democracia – o habitual.
Em Portugal a abstenção está relativamente bem estudada, num trabalho apresentado no ano passado no Portugal Talks (João Cancela e Marta Vicente, 2018), a que os jornais deram destaque, ficámos a saber que: não nos distinguimos da maioria dos países da Europa do sul; a abstenção aumentou muito nas últimas décadas, dos 8,1% em 1975 para os 44,2% nas legislativas de 2015; que é maior na faixa etária mais nova, fenómeno que se começou a observar nos anos 80; mas a novidade é que alastrou, desde 2002, para uma outra faixa etária mais velha entre os 30 e os 44 anos.
Que a idade dos eleitores está directamente correlacionada com a participação eleitoral não é novidade, há investigação que o demonstra, inclusive em Portugal . A idade, ao contrário de outros factores como o rendimento e a instrução, é um factor explicativo determinante da participação eleitoral – “a diferença entre as probabilidades de votar para indivíduos com 69 e 18 anos é de mais de 39 pontos percentuais” (Pedro Magalhães, 2008).
O que observamos: nos anos 80 tivemos uma nova geração de eleitores que não se envolveu democraticamente, alheando-se dos atos eleitorais, e continuou a reiterar esse comportamento até que a idade e os incentivos à participação eleitoral sejam maiores. O problema é, também, as novas gerações que continuam ou agravam esse comportamento abstencionista que fragiliza a democracia. Até aqui há pouca novidade, o diagnóstico está realizado, faltam soluções. O que fazer?
No estudo de 2018 foram sugeridas algumas soluções possíveis: voto obrigatório, voto eletrónico, voto por correspondência, voto antecipado e em mobilidade, eleições simultâneas. Algumas são soluções que podem ajudar a reduzir a abstenção, mas não atingem o cerne da questão: o afastamento e desinteresse das novas gerações pelo processo democrático que conduz ao abstencionismo.
Sobre o tema vale a pena escutar David Runciman, um académico de Cambridge, numa magistral aula de apresentação do seu mais recente livro “How Democracy Ends” onde enuncia algumas explicações lógicas para este alheamento dos mais jovens, bem como algumas propostas para tentar alterar a situação, por exemplo: a redução da idade legal para se poder exercer o direito de voto!
Vou tentar explicar resumidamente os principais argumentos. A defesa da democracia representativa chegou com o forte argumento que esta vinha corrigir o pecado original da democracia directa, há muito identificado por Platão, – uma democracia directa impunha que as três classes maioritárias da sociedade governassem: pobres; iletrados e principalmente os jovens. A democracia representativa veio permitir que estas maiorias se fizessem representar por uma minoria de ricos, educados e velhos, porque, à data, sendo a maioria pobre, iletrada e jovem teria muita dificuldade em se fazer eleger neste sistema. Problema resolvido.
Actualmente, nas modernas e mais avançadas sociedades a grande maioria dos eleitores já não se identifica como sendo pobres e iletrados e do envelhecimento resulta que também não são novos.
Aqui chegados temos um novo e importante paradoxo: não era suposto sermos representados por pares-iguais. Quanto aos jovens a situação é ainda pior, configura, agora, uma dupla exclusão: à falta de representatividade directa soma também a indireta, uma vez que quem escolhe os eleitos é uma nova maioria de velhos.
Assim sendo, o alargamento da base de eleitores jovens, diminuindo a idade legal para se poder exercer o direito de voto é fundamental para revitalizar a democracia, uma medida moderada que devia ser considerada de primeira ordem por todos os partidos, antes das mais radicais e polémicas, como seja o voto obrigatório ou o voto eletrónico.
Os argumentos apresentados para não se consagrar o direito de voto aos cidadãos maiores de 16 anos (proposta: muito moderada) são, na sua generalidade, bastante frágeis e só algum oportunismo justifica que os usem – esta não é, tão pouco, uma questão de esquerda ou direita.
Um primeiro argumento é que o voto mais jovem é impulsivo e não reflectido, parece que este fenómeno foi estudado e, estatisticamente, tem a mesma incidência que nos adultos. Um segundo, a falta de maturidade e capacidades intelectivas para avaliar as opções eleitorais, se é verdade para alguns dos mais jovens não sabemos se esta percentagem é superior, ou não, à dos adultos, nomeadamente no que respeita aos diferentes estágios de demência que os afecta nas idades mais avançadas, onde a probabilidade de exercer o direito de voto é ainda maior.
E um terceiro argumento: a influência das redes de interacções sociais, nomeadamente da família e dos amigos, que condicionariam a escolha dos mais jovens no momento do voto – isto é, exactamente, o que também se passa com os adultos, a seguir ao factor idade, e no que respeita à participação eleitoral, é bastante determinada pelo factor interação na rede social do eleitor (Pedro Magalhães, 2008). Colocar jovens que estão a ficar socialmente mais activos e atentos às grandes questões ambientais, económicas e sociais da actualidade, quando estes ainda têm forte ligação a redes sociais estáveis e favoráveis ao ambiente democrático, como a família e a escola é do mais elementar bom-senso e devia ser a prioridade de um qualquer partido político que fale seriamente em revitalizar a democracia.
O título não é uma ordem dada num estilo ‘juvenil-cool’, tão pouco uma promessa, é antes de mais um anseio: que no dia seguinte às eleições, os partidos políticos considerem seriamente a disponibilidade para na próxima legislatura fazerem uma revisão constitucional, no sentido de consagrar o direito de voto aos cidadãos maiores de 16 anos.
Grande Victor! Continua com essa tua clarividência! Abr