«Das Casas, Lugares e Tradições» – exposição fotográfica em Guimarães

0

A Muralha – Associação de Guimarães para a Defesa do Património promove a exposição fotográfica «Das Casas, Lugares e Tradições», no Paço dos Duques de Bragança. A iniciativa integra o programa das Festas da Cidade e Gualterianas. A mostra deste ano decorre de uma nova abordagem à Colecção de Fotografia da Muralha (CFM), maioritariamente composta por imagens da primeira metade do século XX. Neste arranque de projeto foram selecionados três temas: a Festa das Cruzes em Serzedelo, a Fábrica do Castanheiro e a Casa do Costeado. A fotografia destes temas é de Miguel Oliveira, um fotógrafo que conhece bem e tem trabalhado com a Colecção de Fotografia da Muralha. A exposição ficará patente até ao dia 16 de Setembro, na Sala da Duquesa, no Paço dos Duques de Bragança. A entrada é livre.

Fonte: Cultura Norte

Anda por Guimarães e visita o Paço dos Duques de Bragança? Então aconselho este olhar fotográfico de Miguel Oliveira, sobre 3 espaços: uma casa, uma fábrica, uma festa. Passei por lá, a convite do meu amigo Rui Vítor, que me deu o enorme privilégio de escrever sobre a casa que foi da minha família: o Costeado, onde vivi há 10 anos.

Deixo-vos o texto e algumas fotos tiradas no dia da inauguração. A exposição vai até dia 16 de Setembro, vale a pena conhecer estes lugares e tradições.

O Costeado em mim

Quando entrei na casa do Costeado, corria o ano de 2009, estava longe de imaginar que seria o último habitante da família a lá viver. Abri a porta que dá para a cozinha e corredor, a escuridão apoderava-se do espaço. A Beatriz, cozinheira que nos dedicou a sua vida, tomava conta do lugar, sozinha nas suas memórias. Parecia-me triste por não ver ninguém há algum tempo e preocupada com o estado de saúde da minha avó, que estava debilitada, mas ainda forte o suficiente para telefonar e decidir o quarto onde ia dormir.

A minha morada em Guimarães, terra dos meus verões, da minha Páscoa e Natal, estava ali à frente. E eu vinha para abrir janelas, espreitar o jardim das camélias, procurar pela menina do Costeado, perdida ao luar. A televisão não funcionava e nada moderno me distraía, privava com livros e falava com as pessoas da minha infância, os caseiros que cuidavam do jardim e de alguns campos.

É então que volta a memória, os cheiros, sons e as cores que trago em mim, gravados na pele, como se fosse a primeira vez de tudo e a vida explodisse novamente, com a força própria dos locais onde regressamos sempre, porque é lá que mora a felicidade e o coração. E eu, como tantos outros na família, sou de Creixomil. Ali baptizado ao som dos sinos, que jamais esqueço como ecoam no ar.

 

Sem saber, voltava de onde nunca saí: a correria da criança que fui, que via os adultos ocupar o espaço entre a sala de estar e jantar, por entre as gargalhadas altas e ruidosas. Aquelas pinturas mostravam cenas de outro tempo, havia quadros de antepassados que não conheci, objectos antigos e valiosos. As visitas deixavam uma assinatura ou uma dedicatória num livro, assim se perpetuava a história de quem pisava aquele chão. Tudo era único, saído de um museu.

Neste cenário, com o candeeiro junto à lareira acesa, minha única luz da noite, os móveis antigos e o frio próprio daquele Inverno, fui vendo as jarras de flores a serem mudadas. A vida mantinha-se parecida como há muitos anos, nada de significante acontecia. Discutia todas as celebrações dos Santos, as festas e romarias, as Nicolinas e o Pinheiro, o Vitória.

A cidade entrava em mim e as portas começavam ali. E é então que me permito ser vimaranense, sem medos. Entro na casa dos meus novos amigos, vou quase todas as noites ao café para aquecer a alma. Sem querer, estou a ser teimoso, bato o punho com convicção e falo com orgulho. É neste espaço de tempo que descubro o que é pertencer aqui, transformo as férias em morada permanente.

 

Uma sensação marcante é descer a rampa do Costeado, passando o portão. Ali, num forte nevoeiro, sem vista para o céu porque as árvores altas tudo tapam, sinto o frio nos ossos. Penso no carrinho de madeira que pedíamos emprestado ao Sr. Teixeira, para testarmos a velocidade, lembro as vacas do Sr. Domingos, recordo o frenesim das vindimas e das uvas pisadas no lagar, volto a ouvir o sino da cozinha a tocar, o almoço está na mesa. O Adão colhe flores e a Rosa arranja ramos. Tudo isto é o presente a misturar-se no passado, pedaços de mim.

Não, nada muda e a casa continua, fábula que é real. A avó vem do jardim e continua a querer organizar tudo. Os foguetes sobem alto e estouram no céu e eu fecho os olhos porque ainda lá estou, mesmo sendo, para sempre, parte da muita lembrança que ficou. O Costeado volta a dar as boas-vindas a quem chega, guardando todos os segredos bem escondidos do lugar, das gentes, da cidade. Será, para sempre, a chave que abre a minha família, parte de nós.

Rodrigo Ferrão   

Deixe um comentário. Acreditamos na responsabilização das opiniões. Existe moderação de comentários. Os comentários anónimos ou de identificação confusa não serão aprovados, bem como os que contenham insultos, desinformação, publicidade, contenham discurso de ódio, apelem à violência ou promovam ideologias de menorização de outrém.

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.