
A Amazónia está a arder, já todos sabemos. E há alguns factos incontornáveis. Os (fogos causados por humanos, intencionalmente ou não), este ano, tiveram um aumento de 84% face a 2018. O desmatamento da Amazónia – que tinha sido reduzida entre 2005 e 2014 em mais de 80% – viu um aumento exponencial desde o início do ano (quando Bolsonaro tomou posse). Este ano, Bolsonaro despediu – ao melhor estilo maoista de represálias a quem não inventasse estatísticas abonatórias – o responsável da agência espacial brasileira por este ter informado que a deflorestação da Amazónia em 2019 tinha crescido 68% num ano. Bolsonaro tem uma política de deflorestação da Amazónia, para economicamente explorar as terras, extraindo minerais do subsolo, construir centrais hidroelétricas e utilizar a terra para agricultura e para pasto para a indústria agropecuária. As agências ambientais tiveram este ano corte de fundos e houve uma diminuição das multas e da fiscalização das infrações ambientais na Amazónia a mando das políticas de Bolsonaro.
Recomendo a leitura destes dois artigos, do The Guardian (muito ponderado) e do New York Times, que dão uma boa ideia das questões envolvidas.
Continuando. Donde: existiu a inversão de uma política de proteger a floresta amazónica para uma de deflorestar e permitir o desmatamento pelos agricultores e criadores de gado. No meio disto há a sensibilidade brasileira de sempre aos palpites externos sobre a Amazónia, que vêem como atentados à soberania nacional.
Sucede que a Amazónia não é só interesse brasileiro – tal como não são outros recursos naturais ou marcos culturais e arquitetónicos em tantos países. É imperativo não regressar aos tempos dos anos 1990 e dos primeiros anos deste milénio, em que a deflorestação anual da Amazónia era aterradora. Desde logo porque quanto mais já ardeu, mais grave se torna que continue a arder.
A reação de Bolsonaro aos fogos foi a do grunho que se esperava. A alt right brasileira (e portuguesa e europeia) seguiu a sua campanha de desinformação costumeira. Enfim, são pessoas perigosas que nem a autopreservação da espécie humana colocam acima do fanatismo ideológico e da necessidade de combate político. Já Macron ameaçou vetar o acordo de comércio entre a UE e o Mercosul (que tem como ponto forte precisamente baixar as taxas e outras restrições na importação europeia da carne produzida nos países do sul da América Latina – e que é impopular junto dos produtores franceses, que nunca nada é inocente) caso Bolsonaro continuasse a política de deflorestação da Amazónia. A Irlanda acompanhou-o. A Alemanha, Reino Unido, Espanha e Portugal querem manter o acordo.
Acordo da UE com o Mercosul à parte, o caminho terá de ser por aqui. A União Europeia – e outros países e organizações – devem apoiar financeiramente o Brasil (i.e., dar uma cenoura) para a reflorestação da Amazónia, cessar a deflorestação e compensar pelo não uso da terra da Amazónia em atividades que trazem receitas financeiras. Tal como se faz para as restrições de utilização de solos em cima de lençóis freáticos. Ou com a preservação de monumentos ou parques naturais em países sem recursos para os preservar. Caso o governo brasileiro pretenda continuar com a política que traz malefícios ambientais a toda a gente de todos os países, de facto sim, usa-se a vara: o acordo com o Mercosul deve ser recusado. Desta forma pressiona-se o Brasil, bem como os países vizinhos, que por sua vez pressionarão o Brasil. Caso a UE mantenha o acordo mesmo sem inflexão política de Bolsonaro, cabe aos consumidores europeus boicotarem a carne brasileira. (Por mim, também sou apologista de boicotes de turismo. O turismo nos Estados Unidos decresceu com Trump, e eu já informei os meus filhos que nem pensem em ir ao Brasil enquanto for governado por Bolsonaro.)
Chama-se a tática de stick and carrot. Dá-se um prémio, uma cenoura, pelo bom comportamento e umas vergastadas (o stick, a.k.a. um boicote lindo) na ausência de bom comportamento. Sempre foi tática usada na diplomacia, com grande sucesso.