Tenho inúmeros casos assim. Compro um livro – ou porque conheço o autor, ou porque o assunto me apela, ou porque gosto da capa e as citações das críticas da contracapa me convencem, ou por por instinto ou por qualquer outra razão misteriosa que me faz emparelhar com livro – e, de seguida, o livro fica na minha estante à espera de ser lido, durante anos. E, num dia, pego no livro e leio-o e é exatamente o tempo para ler aquele livro. Aconteceu-me com The Reluctant Fundamentalist, de Mohsin Amid. Com Purple Hibiscus, de Chimamanda Ngozi Adichie. Com vários outros. E, agora, com A Informadora de Lindsey Davis.
Lindsey Davis não me era desconhecida. Os policiais passados na Roma do imperador Vespasiano (começam no ano 70, o ano dos quatro imperadores, depois do alucinado Nero incendiar a cidade), com o romântico (e plebeu) Marcus Didius Falco e a sua apaixonada (e aristocrática) Helena Justina, têm lugar na minha estante, e em grande número. Acompanhei com devoção as viagens do par romântico em busca das soluções para os casos que lhes calhavam, as dificuldades de Marcus Didius em ganhar dinheiro e ascender à classe equestre para poder casar com a sua amante da classe senatorial, a relação com Vespasiano, a vida na Roma antiga (ou na Europa do século XX, que já se sabe que as evocações históricas contam sempre mais sobre o presente que sobre o passado). Marcus Didius é um valente com sentido de humor, e Helena Justina uma feminista antes de tempo, independente, que decide coabitar com o detetive esforçado – tudo à revelia da decência romana.

Não li todos os livros da série de Marcus Didius. Entretinham-me sempre – a escrita de Lindsey Davis é fluída, agradável e carregada de humor – mas ao livro número quinze (ou parecido) torna-se repetitivo.
Pelo que comprei A Informadora, com uma nova protagonista – desta feita mulher, muito no ar do tempo, apesar de o livro ter sido escrito em 2013, antes da calamidade misógina chamada Trump, do #metoo e da necessidade urgente da ressurgência do feminismo. Tanto podia ser um requentamento insosso da série de Marcus Didius como podia valer a pena. Valeu a pena.

A protagonista é Flavia Albia, outra feminista da Roma antiga, filha adotiva de Marcus Didius e Helena Justina. Flavia herdou do pai a profissão (investigadora) e o escritório numa rua do monte Aventino, num sexto andar de uma ínsula de construção débil. Os mortos sucedem-se, as personagens são apresentadas, o estilo de escrita de Davis continua divertido e apurado. Conhecemos a feroz (e decente) Flavia e estabelecemos relação com Tiberius, que se adivinha continuar para os livros seguintes e, provavelmente, para interesse romântico da heroína. Afinal, Tiberius é aquele homem ideal, somente com o minúsculo defeito de nunca se ter avistado tal ajuntamento de boas qualidades fora de uma obra de ficção: razoavelmente atraente sem excessos de bonitezas; protetor de quem gosta; leal e sólido; de temperamento estável sem ser frio e distante; uns poucos anos mais velho que Flavia, o que dá estabilidade à intensa investigadora; interventivo para a justiça e para o bem comum. Nos livros seguintes certamente revelar-se-á um competente amante. Enfim, ninguém pode argumentar que a literatura tem de ser hiper realista.

Há uma reviravolta no enredo que se percebe à distância, e o enredo não nos faz ter vontade de tirar férias para ponderar nas grandes questões da natureza humana. Mas as personagens são competentemente construídas, a visão do mundo e das pessoas que a autora nos traz é mordaz e divertida, aprendemos sobre Roma e o mundo romano (as instituições, as festas, a organização social, os cargos oficiais, a planta da cidade ou o mapa do império – ficam com a ideia), somos entretidos numa escrita agradável, inteligente e bem humorada.

E, claro, não podia faltar (já referi o feminismo da personagem – e da autora, saliente-se), o livro está salpicado de tiradas sobre as especificidades da vida feminina e do ego dos homens – independentemente do milénio em que se vive. Coloquei a imagem de algumas no meio do texto. Em suma, uma ótima leitura para o tempo de verão.
A edição portuguesa é da ASA, de 2014, e pode ainda ser comprada na Wook se não encontrarem nas livrarias. Infelizmente é a única tradução para português desta série de Flavia Albia de Lindsey Davis. Para os livros seguintes podemos encomendar as versões inglesas no site da Waterstones.
