No twitter por estes dias tive uma interação curiosa e sintomática. Primeiro, Sofia Vala Rocha informou que iria apresentar uma lista encabeçada por 24 mulheres para os 24 núcleos de Lisboa do PSD. Houve celeuma e rasgar de vestes instantâneos. Pessoas que acham perfeitamente normal ver só homens cabeças de lista por todo o lado, que nunca pediram mais mulheres nas listas eleitorais antes da lei da paridade (ou, ainda agora, no governo), que se calam satisfeitos quando as mulheres são colocadas nos lugares das listas não elegíveis ou nos locais onde nunca se ganha – pois bem, toda esta gente se arvorou de súbito em grande defensora da paridade e se escandalizou muito com as 24 candidatas para uma estrutura partidária (não, não era para órgãos executivos).
Tão sintomático, não é? Mostra bem como as pessoas que falam e agem contra as políticas de maior participação de mulheres, ou que ignoram de todo estes assuntos, afinal não o fazem por distração nem por não perceberem o que está em causa. Quando os mesmos problemas afetam os homens, de imediato se queixam de discriminação. Logo, sabem muito bem ver a injustiça. Simplesmente escolhem não considerarem as mulheres dignas de estarem debaixo do que se considera justo e digno.
Uma das pessoas que se manifestou foi Catarina Maia, da Iniciativa Liberal, pedindo a Sofia Vala Rocha que lhe desse evidência das razões que constatava levarem a escolher mulheres dada pela candidata à concelhia de Lisboa do PSD – mulheres menos atreitas à corrupção; mais competentes; pragmáticas; mais atentas aos problemas de outros. Eu meti-me na conversa e deixei uma notícia da SIC onde constava um link para um estudo que mostra uma robusta relação entre maior participação feminina na política e menos corrupção.
A senhora da IL – que é daquelas mulheres com síndrome de Estocolmo que repetidamente se aflige quando há alguma notícia de que a participação política (ou nas empresas) das mulheres traz benefícios e procura por todos os meios contradizer que mais mulheres seja um benefício – teve alguma dificuldade em aceitar que havia estudo. Mas, obrigada a tal, de imediato procurou outro que, segundo dizia, afinal mostrava (era, portanto, o estudo definitivo, numa argumentação muito científica) que a participação das mulheres não é o determinante para menor corrupção, mas sim aspectos culturais. (O que não é preciso – já lá vou – mas também a senhora só tinha tido tempo de ler o abstract.)
À parte o ridículo que é uma mulher apoquentada porque um estudo diz que a participação feminina diminui corrupção, e aflita para encontrar evidência contraditória – enfim, é esta a postura da IL perante a participação feminina, afinal no seu programa das europeias bem diziam que as diferenças existentes entre homens e mulheres não se deviam a construção social; e repetidamente ouvi/li de membros da IL que as mulheres não se interessam por política (e para este facto de certeza já não se preocupam em exigir fundamentação científica) – decidi escrever este texto sobre a pesquisa que existe à volta desta relação das mulheres com a corrupção.
E, sim, há evidência sólida da relação entre maior participação das mulheres na política e menor corrupção. Tal não se deve ao facto de as mulheres em si mesmas serem pessoas mais honestas que os homens. Ainda que as mulheres sejam, no geral, menos propensas a cometerem crimes que os homens (não só de corrupção) e as mulheres nas empresas tenderem a corromper menos que os homens. Deve-se, sobretudo, ao costume: a ocasião faz o ladrão. E, por uma série de circunstâncias, a ocasião para os homens é mais frequente ou mais facilmente aproveitada.
Os fatores que levam a que a participação das mulheres diminua a corrupção:
3. As mulheres tendem a ter ação política em áreas de governação que melhorem os serviços públicos para as mulheres, ou em áreas de educação e saúde. E, nessas áreas, há geralmente menos possibilidade de corrupção.
4. As mulheres com atividade política são geralmente instigadoras de políticas anti corrupção, o que faz diminuir a corrupção geral.
5. As mulheres (governadas) estão mais dependentes dos serviços públicos que os homens. A ação das mulheres políticas concentra-se mais que a dos homens a consertar os serviços públicos de que as outras mulheres estão dependentes, pelo que estão menos interessadas em receber subornos.
6. Ao criarem disrupções nos círculos de poder dos homens, muitas vezes com esquemas de corrupção ou favorecimento já instalados, as mulheres quebram assim os círculos da corrupção.
Esta relação da participação feminina com menor corrupção tem matizes. Uma, concluiu um dos estudos, vai na linha do ponto 2. As mulheres são menos corruptas em sistemas onde existe maior accountability e mais probabilidade de punição pela corrupção (ou seja, nas democracias). Porém, nos regimes onde não existe escrutínio e a corrupção é generalizada e não punida, as mulheres aceitam serem tão corrompidas quanto os homens.
Mesmo nos casos de mulheres que aceitam subornos, as mulheres são menos propensas a fazerem a sua parte do acordo que os homens. Também: os homens recebem subornos mais altos que as mulheres e os homens que pagam subornos também pagam mais subornos que mulheres. (É uma espécie de bribery gender gap.)
Por fim, o estudo que a senhora da IL ufanamente bradiu para não ter de aceitar que a participação feminina tem benefícios. Diz-nos que não é tanto a participação feminina que diminui a corrupção, mas sim que duas características de uma sociedade – a distância ao poder e a masculinidade – determinam tanto o nível de corrupção como a participação de mulheres. Dito de outro modo, as sociedades menos masculinas levam simultaneamente a menor corrupção e a maior participação de mulheres. (Se bem que eu não veja bem como isto não é em si mesmo uma confirmação da relação mais mulheres, menos corrupção que dizem não existir. Os próprios autores terminam o estudo aconselhando participação feminina para diminuir os valores masculinos da sociedade e, logo, a corrupção.)
Já agora avento uma hipótese, a propósito do novo partido que fica a hiperventilar quando se enumeram vantagens da participação política feminina: será que os partidos mais masculinizados também serão mais suscetíveis à corrupção?
Em todo o caso, o panorama da pesquisa científica sugerw que a participação feminina é um fator que contraria a existência e a dimensão da corrupção, pelo menos em determinados contextos (que calham incluir Portugal). Se alguns espíritos sensíveis não conseguem lidar com esta realidade, sais de frutos dizem que faz bem.
A respeito dessa relação entre mais mulheres na política e menos corrupção, já me ocorreu se, em vez de uma relação causa-efeito entre uma coisa e outro, não poderá ser um bocado algo derivado de sociedades em que se valoriza muito a família alargada, o bairrismo e uma cultura de acordos de bastidores e troca de favores em vez de conflito aberto tenderem a ser simultaneamente a) sociedades em que as mulheres tendem a estar afastadas dos centros de decisão (e, de uma maneira geral, sociedades onde é difícil outsiders entrarem); e b) sociedades mais propensas pelo menos ao tráfico de influências (em que há muito uma cultura de “falar com alguém que conhece alguém que resolve o problema”), que facilmente degenera em corrupção.