As sugestões de leituras para férias da Capital Mag

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Ler livros faz bem a tudo. Como diria um amigo, só não faz voltar a crescer o cabelo. Torna-nos melhores pessoas porque desenvolve a capacidade de empatia (sobretudo a ficção). A leitura feita em papel tem vantagens sobre as leituras que fazemos nos mais variados gadgets tecnológicos. Além disso, os livros são objetos bonitos que ficam bem em qualquer decoração de casa. Por fim, são uma ótima maneira de desfrutar do tempo de férias. Se está indeciso sobre o que escolher, a Capital Mag convidou alguns leitores experimentados e de confiança para lhe dar algumas sugestões para leituras do tempo quente. Aqui vão.

 

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Carla Quevedo

Little Tales of Misogyny, de Patricia Highsmith

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Podia dizer que ninguém se salva em Little Tales of Misogyny, de Patricia Highsmith, publicado pela primeira vez na Suíça, em 1975, que demorou mais de dez anos até ser editado nos Estados Unidos. Mas não é verdade. Embora o desprezo esteja equitativamente distribuído por mulheres e homens, salvam-se as mulheres que fazem exactamente o que querem e vivem satisfeitas com isso, como Elaine que vive o casamento como um meio para ter o maior número possível de filhos, chegando aos 17, levando o marido à loucura e a família à ruína; ou como Sarah, a esposa dedicada que planeia com sucesso a morte do marido com “boa comida, de certo modo com carinho, com dever conjugal”. Nem Elaine (até ao sétimo filho) nem Sarah eram odiadas pela família e pelos amigos. O ódio está nos títulos. Elaine é The Breeder, a reprodutora, a parideira. Sarah é The Fully Licensed Whore, or, The Wife, a prostituta com os papéis em dia, com a documentação própria, legal, ou, a esposa. Podem acusar Patricia Highsmith de tudo, mas não a podem acusar de ser subtil. Também não a podem acusar de não ser cruel nem de não ter muita graça nas descrições.

A mãe, a esposa e a menina que não parte um prato, sonsa e cruel, Theadora, que tratam por Thea, The Perfect Little Lady, são os estereótipos que não acabam mal. Também não acabam mal a romancista sem nome em The Female Novelist nem Margot Fleming, The Perfeccionist. Para ambas, há só desprezo, solidão e a condenação a uma vida sem interesse. Tal como para Sharon e Matthew, em The Prude, obcecados com a virgindade das filhas, três raparigas do tipo normal que sobrevivem ao tipo moralista continuando a viver vidas normais.

Em 17 contos brilhantemente escritos sobre estereótipos femininos detestados e castigados, há seis tipos que não terminam numa morte violenta. Serve a estimativa para despertar a curiosidade sobre a vítima Cathy, a sogra silenciosa, a coquette, ou Pamela, a dona de casa de classe média que resolve ir a uma manifestação do movimento feminista para encontrar o fim que merece.

 

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Carlos Botelho

The Last of the Wine, de Mary Renault

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“When I was a young boy, if I was sick or in trouble, or had been beaten at school, I used to remember that on the day I was born my father had wanted to kill me.” Assim entra, por assim dizer, logo a matar o The Last of the Wine, de Mary Renault, publicado agora pela Virago Modern Classics (a 1a ed. foi em 1956). Um livro delicioso, passado na transição do séc V para o IV a. C., na Atenas que acaba derrotada depois de uma longa Guerra do Peloponeso. A vida de Alexias, narrada na primeira pessoa, vai passando diante dos nossos olhos, cruzando-se com algumas personagens bem nossas conhecidas. Mas, ao contrário de muitos romances históricos, aqui não temos a impressão de o “herói” ser um de nós com as nossas particularidades e o nosso olhar transplantado para outra época fazendo toda a narrativa soar a falso. Neste livro, as personagens são-nos verosimilmente estranhas. Mary Renault devolve-nos a estranheza daquele mundo de há dois mil anos. (“Somos Gregos”, mas mutatis mutandis…) Aqui podemos sentir o cheiro das casas queimadas pelos Espartanos assustadoramente perto, o cheiro dos refugiados acolhidos nas muralhas da polis, as dores do corpo e da vida, o sabor do sangue e do vinho nas nossas bocas.

 

Versão 2

Filipa Roseta

Sebastião José, de Agustina Bessa-Luís

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Através do relato da vida de Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal, Agustina mergulha-nos num lugar de dualidades incongruentes que retratam o incontornável fado do povo Luso. Apresenta-nos um Portugal setecentista, preso entre a saudade de futuro de um estrangeirado regressado à pátria e o apego da sociedade à inércia das tradições quotidianas. Constrói  a figura do Marquês como simultaneamente servo e tirano, elevado a herói da modernidade Europeia pelo acaso de uma catástrofe que, por um lado, destruiu Lisboa, mas, por outro, serviu para a reinventar.

Com este livro, Agustina, evitando qualquer tom trágico ou sublime, apenas munida de erudita ironia, presta uma homenagem realista à entrada da nossa cultura no século das Luzes.

A pequena homenagem que nós podemos prestar a uma escritora que durante toda a sua vida fez crescer a nossa língua, é ler e recomendar a sua obra. Assim, este é um livro ideal para a preguiça de Verão. Até porque as palavras de Agustina não são para ler. São para saborear.

 

Versão 2

Mariana Beleza Tavares

O Homem que Nunca Tinha Chorado, de Eva Hart

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John Vicente é “O Homem que nunca tinha chorado”. E é o homem que verteu uma única lágrima, acompanhada de um sorriso suave, no momento da sua morte. Como tal aconteceu? Terá sido suicídio, homicídio, acidente?

É este o mistério que leva Richard, investigador por conta de uma companhia de seguros, a ser contratado para apurar as causas da morte do milionário John Vicente, reconhecido como o maior especialista mundial em Teoria dos Jogos. O livro é narrado pelo investigador que confessa sentir-se, pela primeira vez em trinta anos, incapaz de terminar uma autópsia psicológica, de entregar um relatório. “Sei que fui atingido por um sismo de elevada magnitude”, confessa. O que terá levado Richard a sentir-se confuso e perdido, a ponto de pedir ajuda ao leitor?

Segundo o prefácio de António-Pedro Vasconcelos, “o livro de Eva Hart é uma viagem sem fim à procura do segredo de John Vicente, um homem que calou o coração desde muito novo, que silenciou os sentimentos ao ponto de deixar de sentir amor ou compaixão, que não quis nunca arriscar a render-se à possibilidade de se sentir vulnerável; um triunfador, um winner, mas que aprimorou o vazio a cada novo trunfo, que à força de se olhar ao espelho deixou de saber olhar pela janela”. Qual será este segredo? (Spoiler alert: mete riquíssimas personagens femininas: óbvio – os mistérios mais arrebatadores e encantadores têm sempre influência venusiana J).

Thriller psicológico fascinante que já levou a autora, que pela primeira vez escreve com pseudónimo, a ser comparada a Agatha Christie. Algo que Hart nega, mas lhe dá uma enorme satisfação, claro (a quem não daria?). Vejo algumas semelhanças na riqueza e construção metódica das personagens, e(n)levadas de mistério, nos cenários elaborados e visuais, na narrativa viciante que leva a nos esquecermos de alimentarmo-nos ou, sequer, de dormir. Lido de um só trago. Como um shot de vodka premium.

Agora que já vos despertei a curiosidade, alerto que o livro apenas estará disponível nas principais lojas Note, hipermercados Continente e Fnac online, a partir de 15 de setembro. Será para os veraneantes mais tardios. Tenho a sorte de ser amiga da Eva Hart (de Have a Heart, por coincidência – ou não, não as há – resultou o mesmo nome da malograda sobrevivente do Titanic) de média data – foi com ela que comecei a escrever em sites, no caso, na http://www.magazineim.com, a revista online que divulga “o melhor que há no mundo para um mundo melhor” – e aceder a uma primeira edição especial. Podem acompanhar novidades da autora em @writerlifecoach (facebook). A não perder. Porque só têm a ganhar.

 

Maria João Marques

The Crime Writer, de Jill Dawson

Só quem tem grandes mananciais de maldade consegue imaginar histórias repletas de cadáveres, crimes, sentimentos malignos e poderosos que fazem desejar aniquilar, roubar ou atormentar um qualquer (ou, melhor, um específico) outro. Somente os temperamentos implacáveis são capazes de magicar sinuosos percursos para eliminar ou torturar terceiros indesejáveis. Parece ser esta a ideia por trás do romance de Jill Dawson, The Crime Writer, que nos dá uma pequena parte – ficcionada – da vida de Patricia Highsmith. (Sim, a mesma escritora policial do livro que Carla Quevedo sugeriu.) Mas o livro de Dawson não é só sobre o período de meados dos anos 60 em que Highsmith viveu num cottage de Suffolk. Também é um livro sobre um crime (ou dois).

E é um livro sobre o affair de Highsmith com Sam, mulher londrina upper class casada com o inevitável marido entediante. Também consta uma stalker da escritora, em versão lésbica mais nova, de mamas proeminentes, uma fashion victim (antes de existirem fashion victims) das revolucionárias tendências de moda dos disruptivos anos sessenta, mais uma mulher de boas famílias cujo pai espera que a propensão para outras mulheres se desvaneça com o tempo e com a maturidade. Tudo acompanhado de uns tantos demónios de Pat, obsessões, impulsos misóginos e pequenos ódios carinhosamente cultivados. Junte-se uma evocação catita da época e temos um romance negro e irónico, que não chega a ser exatamente um policial mas que tem lá todos os ingredientes do costume.

 

Sofia Vala Rocha

Ernestina, de Rentes de Carvalho

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“O sapateiro conhecia bastante o génio da mulher para saber que não haveria remédio contra aquela obstinação”. Ernestina, talvez o melhor romance de Rentes de Carvalho, caiu-me no goto por ser o retrato vivo das mulheres que me fizeram: bisavós, avós, tias-avós. As mulheres das aldeias portuguesas, até meados do século XX, eram as bestas de carga, as parideiras, as guardadoras de mezinhas. Ligadas à terra pelas mãos que dela tiravam cura e alimento para a família, Ernestina era uma dessas mulheres a quem hoje chamaríamos telúrica.

O génio, o mau feitio, a obstinação valiam a uma mulher ficar solteira ou casar e ser sovada amiúde. Não há romantismo nem subtilezas naquelas paragens de gente embrutecida pelas escarpas e pelo vinho. Mas há amor de Rentes de Carvalho pela secura de sentimentos daquela gente.

 

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Tiago Rolino

Engaging Men and Boys in Violence Prevention, de Michael Flood, editado pela Global Masculinities (preço aproximado de €32,12)

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Pegando num assunto que está em voga, não só pelos recentes exemplos da publicidade, mas porque há cada vez mais investigadores/as a debruçar-se sobre o tema das masculinidades e de como o combate às masculinidades tóxicas tem resultados não só na melhoria das condições de vida e saúde dos homens, no evitar a morte precoce por doenças evitáveis, por acidentes de viação e com armas de fogo, entre outros benefícios para estes; mas também para prevenir a violência contra as mulheres, como a violência doméstica, sexual, assédio e todas as suas outras formas, este livro do Michael Flood é muito mais do que um livro técnico, de pesquisa, ou de advocacy.

Contendo estas componentes numa linguagem facilmente entendível, este livro tem como alvo não só educadores/as, ativistas e estudiosos, mas também os/as não académicos. Trata do papel vital e imprescindível do envolvimento dos homens no fim da violência contra as mulheres e de que forma se envolvem estes, sejam jovens ou adultos, na prevenção desta violência, nomeadamente arranjando outros homens como aliados. Contém, além da parte de background da violência contra as mulheres, também formas práticas e empíricas do envolvimento dos homens na sua prevenção.

 

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Vera Maria Gouveia Barros

Os Anjos Bons da Nossa Natureza, de Steven Pinker

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“Os Anjos Bons da Nossa Natureza” parece o título de um livro lamechas, daqueles destinados a ir para o grande ecrã sob a forma de comédia romântica. Desenganem-se. O seu autor, Steven Pinker, é psicólogo e tem-se dedicado ao estudo da cognição e da linguagem. Ouvi-o há umas semanas, num dos Encontros da FFMS, e logo reconheci um optimista militante como eu. Saí da conferência e fui comprar esta sua obra. Está longe de ser a típica leitura estival. Muito longe. Inclusivamente, porque é quase quilo e meio de mais de 1000 páginas cheias de informação estatística que nos mostra que, ignorando a espuma dos dias, há muitas coisas em que o mundo está bastante melhor. Uma nota positiva, neste Verão ilustrativo do que são os efeitos das alterações climáticas.

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