A primeira vez que reparei numa defesa da violência sexual sobre mulheres por um político republicano foi nos anos iniciais da administração Obama (não consegui descobrir os textos de jornais sobre isso pela net; vou continuar à procura). Olhando com a sabedoria do que aconteceu a seguir, era já um sinal da misoginia imbecil que iria tomar conta de metade da América e oferecer-nos Trump. Dizia o político do GOP, a propósito das polémicas com as violações nos campus universitários nos Estados Unidos, que as mulheres que faziam acusações estavam simplesmente à procura de fama. (Hein? Quem não quer passar a vida a ser apontada como tendo sido violada? Uau, quem não deseja esse destino?)
Não que tivesse sido a primeira barbaridade que políticos republicanos disseram sobre violações – há aqui uma lista catita, incluindo a do ‘relaxa e desfruta’, ou as calamidades que asseguram que se uma mulher engravida é porque afinal desejava ser violada (não é uma ‘violação legítima‘), ou ainda o estranho conceito de ‘violação consensual‘ (o que estes políticos inventam) – que constituem claramente incentivos à violência contra mulheres. Mas esta vossa amiga, ingénua, supunha que eram de tempos obscurantistas que já tinham passado com a viragem do século e do milénio. (Pronto, permito que se riam de mim.)
Claro que com o advento de Trump percebeu-se bem o gosto que muita gente à direita tinha pelo apalpador de mulheres. Ao contrário do que se esperava antes, a história dos apalpões fez com que muitos homens (e as aliadas femininas do costume) gostassem mais da toranja radioativa – ele estava a dizer aquilo que apetecia gritar a estes homens: que as mulheres são para serem tratadas como material para fornicar, e que o direito das mulheres a disporem do seu corpo como querem é para ser ultrapassado pelo direito dos homens tocarem e abusarem de mulheres.
Os casos que envolveram assédios e violações e tentativas de abusos por republicanos – de Roger Ailes, a Kavanaugh, a Roy Moore, a… – foram todos tomados como ataques aos direitos dos homens trumpistas de todo o mundo: lá está, o direito dos homens a terem sexo com mulheres, ou a disporem dos corpos femininos à laia de bola anti stress, quer estas queiram quer não. E estes são direitos que os levam a todos os extremos de indecência para manterem.
Das primeiras medidas de Betsy DeVos, a secretária da educação de Trump, foi tornar mais difícil os processos de acusação nas tais violações nos campus universitários. Não podia deixar de ser: um dos valores trumpistas é o apoio aos agressores sexuais.
(E faço aqui a ressalva que quem, alegadamente não concordando com isto, mas de seguida defende a administração Trump, ou os que defendem a administração Trump, mostra que não tem como valor fundamental a dignidade das mulheres e os seus direitos e liberdades mais básicos. É como quem diz: é igual.)
Curiosamente, os trumpistas e partidários das direitas reacionárias (assumidos ou não), falam muito das violações pelos imigrantes. Preocupa-os muito. Claro que apenas para atacar a imigração. Não que não haja perigos – os abusos sexuais de Colónia por imigrantes do Magrebe são inteiramente intoleráveis – mas como fica bom de ver o valor que interessa defender à alt right não é o direito à autodeterminação sexual das mulheres ou o direito à segurança e a disporem do seu corpo.
Porque quando as violações não envolvem imigrantes, as mulheres são enxovalhadas como galdérias que estão a tentar estragar a vida de um homem bom (ou mais do que um). O exemplo mais recente veio do Vox e da última sentença judicial da La Manada. Na (finalmente) decente decisão do supremo tribunal espanhol – que aumentou as penas dos cinco que violaram em grupo uma mulher e determinou que sim, tinha sido violação e não abuso sexual – o partido da extrema direita não gostou. Afinal os violadores são espanhóis e brancos.
Uma infeliz criatura do Vox da Andaluzia disse coisas do jaez de: ‘agora a única relação segura entre um homem e uma mulher é a prostituição’; que se um homem não estiver à altura da relação qualquer uma põe o impotente na prisão; que o tribunal supremo estava sob o poder do ‘supremacismo feminista’.
Se já desconfia que o político do Vox – que já havia sido condenado por alterar a guarda de uma criança em favor do pai sem sequer ouvir a mãe – está em nível de submundo ético, pelas teorias da conspiração contra o feminismo ou pela incitação à prostituição (outra coisa de que a extrema direita gosta é da prostituição), espere que vem mais. A minha tirada preferida: a sentença é ‘um torpedo contra a heterossexualidade e as relações livres entre homens e mulheres’.
Leu bem. Para um político da direita reacionária, uma violação grupal é uma forma saudável de heterossexualidade e, ademais, um caso claro de relação ‘livre’ entre homens e mulheres. O ‘livre’ faz sentido. Voltemos lá acima: as mulheres não são seres portadores de direitos quando confrontadas com os seus superiores, os homens brancos. Os direitos das mulheres só prevalecem sobre os seus inferiores, os imigrantes. A liberdade de um homem branco ter sexo com uma mulher, deseje-o ela ou não, é algo que não se pode limitar. Afinal somos pela liberdade ou não. O homem deve ser livre de ter relações com quem quiser, independentemente do consentimento, e os tribunais não devem atentar contra esta liberdade. É o credo da alt right.
Que se reforça a cada vez que se colocam notícias ou comentários agrestes contra a impunidade da violência sexual pelas redes sociais. É certo e sabido que vem um alt righter a correr incomodado por abanarmos tal impunidade, insultando e mentindo como costumam.
Continuando neste caso sinistro, o Vox, quando reagiu e se distanciou do colega andaluz, inventou que outro caso de violação, com suspeitos espanhóis, tinha sido por imigrantes.
Ora bem: quando votarmos, este é mais um fator a introduzir para a escolha. Das direitas conservadoras já sabemos o que esperar e os seus valores programáticos. E quando vir certas argumentações espalhadas pelas redes sociais, também já sabe de que ideologia vêm.