O facebook não aceita denúncias por incitação à violência sexual e ao ódio contra as mulheres.

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Imagem de Isabel Santiago.

Ontem tentei denunciar um comentário a uma notícia que envolvia uma história de uma denúncia de violação. No meio do esgoto que são sempre os comentários a estes casos – de pessoas absolutamente desclassificadas para viverem em sociedade respeitando a autonomia corporal de terceiros e, sobretudo, de mulheres, que é como quem diz para contactarem com pessoas civilizadas – havia um que decretava que o problema da senhora que acusava é que já ninguém a queria violar.

Tenho muitos problemas com este comentário. 1. Assume que violação tem a ver com desejo, quando tem tudo a ver com anular o outro (normalmente a outra), controlar o outro, extirpar o outro de agência sobre si próprio, conspurcar o outro. 2.  Logo, declara que apenas as mulheres bonitas e desejáveis são ou podem ser violadas. 3. Afirma sem margem para dúvidas que as mulheres gostam de ser violadas como forma de ter sexo. (Mais ou menos como aquele político ignoramus que aconselhava para uma violação ‘se é inevitável, relaxa e aproveita’.) 4. Totalmente anula os perigos para a vida e saúde de uma mulher provenientes de uma violação.

Denunciei o comentário. É claramente um comentário de ódio às mulheres e de incitação de violência contra as mulheres – afinal nós até gostamos. Percebi então que na categoria de incitação ao ódio que o facebook coloca, não existe a categoria ‘misoginia’ ou ‘ódio às mulheres’. Contemplam o ódio racial, o ódio religioso, o ódio de classe, mais umas coisas, mas o ódio sexualmente motivado contra as mulheres tem de ir para a categoria ‘outro’.

Ora o ódio contra as mulheres é uma realidade que todos os dias mata mulheres, muitas por todo o mundo, inclusive no civilizado e alegadamente igualitário ocidente. Todos os dias o ódio contra as mulheres produz mulheres que foram violadas ou sexualmente assaltadas, com graves consequências para a sua vida e para a sua saúde. Todos os dias mulheres são espancadas em ambiente doméstico pelos companheiros.

Não estamos a falar de ideias cujo maior potencial é ofender almas sensíveis. Mas sim de crimes graves com sequelas dramáticas na saúde e vida das mulheres. Ou de mortes.

Que o facebook nem tenha categoria para algo que diariamente mata milhares de pessoas mostra como se aceita com tanta felicidade a violência contra mulheres. Afinal é tão natural como beber um chá com leite. Faz parte da cultura, era o que faltava uma plataforma social estar agora a atentar contra o tão estabelecido direito de se tratar mulheres como seres sub humanos sem direito a dignidade e a segurança (incluindo nas redes sociais).

Esta idiossincrasia do facebook (que afinal é business as usual) mostra duas coisas. A primeira: temos de protestar por todos os meios contra este desprezo a que o facebook nos relega. A segunda: há mesmo necessidade de regulação pelos parlamentos, Parlamento Europeu, o que seja, das redes sociais. O facebook não pode poder decidir – pela influência massiva que tem – que o ódio contra as mulheres não é um problema, que incitações a crimes violentos são perfeitamente aceitáveis, que as mulheres não merecem proteção de uma plataforma onde centenas de milhões de habitantes do planeta Terra se movimentam. Para piorar a distopia facebookiana, nem sequer conseguimos contactar a plataforma, que age como uma entidade toda-poderosa e inacesível acima dos comuns mortais que a usam. Não se digna a ouvir-nos e responder-nos.

O facebook, dizia-se, é mais seguro e amigável para as mulheres que o twitter. Que viva à altura disso.

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