Da Carla… e de porque não perco a esperança!

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Copyright Isabel Santiago Henriques

Ligou-me. Numa espécie de pânico escondido, confirmou se falava com a pessoa certa. Era eu.  

“Chamo-me Carla… não se assuste, mas é por causa da sua filha”, (era agora eu quem não escondia o susto. “Encontrei na rua a caderneta da menina e com ela dois livros .. estão em mau estado… estavam debaixo de um carro… corri a ligar-lhe porque… porque… a menina está consigo?”. 

Percebi-lhe a angústia e o meu cérebro conseguiu processar em segundos tudo o que lhe passara pela cabeça.  

“A menina está bem Carla, respire”. Apressei-me a dizer. “O que aconteceu é que lhe roubaram a mochila, com os livros, a caderneta, o passe e o resto do material… tiraram a mochila da entrada do prédio “.  

Carla foi deixando cair a forma ofegante de respirar e, à medida que se sentia aliviada, foi contando: “vim buscar os meus dois pequeninos à escola… a caderneta chamou-me a atenção e liguei logo porque me passou tudo pela cabeça… e se levaram a menina e deixaram aqui as coisinhas… e se a mãe ainda não sabe… é que eu também tenho dois… e desculpe… desculpe se a assustei…”  

Carla não me assustou… surpreendeu-me.  

“Carla peça -me tudo menos desculpa, estou muito grata por me ter ligado, por ter guardado as coisas da menina… por todo esse cuidado! 

Combinamos a recolha dos achados à porta de casa de Carla, bem perto da nossa, aliás.  Carla tinha voltado mais uma vez ao local da primeira descoberta, na tentativa de encontrar mais do material perdido, o que conseguiu com sucesso relativo… mas é irrelevante para o caso.  

Relevante é Carla!  

As Carlas, que mantêm a humanidade sem reservas ou falta de tempo. As Carlas que não viram a cara, que não cedem à indiferença. A Carla, jovem humilde, de habitação pequena e modesta, com duas meninas a cargo, perdeu tempo a pensar na minha e em mim.  

Deu às filhas o melhor exemplo de como se muda o mundo. É assim, no dia a dia, nas pequenas coisas, nos pequenos gestos, palavras e atenção, na ação em vez da indiferença… é assim que o vamos mudar! 

Nunca vou agradecer o suficiente a Carla. Não pelo que recuperou da mochila da minha filha.  

Mas pelo bocadinho de humanidade e esperança que me fez recuperar a mim.  

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Nasceu em 1972 Ana Catarina Ribas Lopes, mas o mundo académico e profissional encolheram-lhe o nome para Ana Ribas. É licenciada em Ciências da Comunicação, curso onde leccionou uma mão cheia de anos, mantendo-se ainda hoje ligada à formação. Apesar da aspiração ao Direito, estava destinada ao marketing e à publicidade. A trabalhar desde os 15, percebeu cedo o mundo das desigualdades. Mãe de 4, feminista por genética e formação, detesta generalizações, abomina rótulos, não suporta injustiças e continua a acreditar que cada um de nós pode fazer a diferença!

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