Nas últimas semanas há valente oportunidade para nos questionarmos se grande parte da direita portuguesa se entregou ao LSD ou a qualquer droga alucinogéna, tal o nível de disparate produzido. Houve o caso das passadeiras de Arroios, de todos conhecido. Dois elementos do CDS da assembleia de freguesia de Arroios propuseram duas passadeiras arco-íris na Avenida Almirante Reis em sinal de statement anti homofobia. Depois deste deflagrar de uma guerra termo-nuclear (pelo menos), o partido endoideceu. Os posts e comentários que li no facebook não se conseguem encaixar num país europeu de 2019. Chegou-se ao ponto de a líder do CDS, com umas eleições a rebentarem aí, gastar tempo a pronunciar-se sobre duas passadeiras que dois eleitos para uma assembleia de freguesia haviam proposto.
De repente, para parte da direita nacional (oh, e vi tantos do PSD, incluindo de juntas de freguesia lisboetas, também tão incomodados com a proposta, geralmente argumentando que as listas arco-íris é um símbolo quasi-sagrado que não pode ser pisado, de taaaaaaanto amor que têm à causa LGBT), uma prioridade do país era demarcar-se de umas passadeiras coloridas com valor solidário simbólico. Muitos vultos, de súbito, se tornaram legalistas extremos, porque as passadeiras legalmente têm de ser brancas. Claro que não tinham nenhum incómodo pelo facto de serem passadeiras arco-íris em prol do acolhimento da comunidade LGBT. Lá agora, Via-se a léguas que nada disto os incomodava. Sucedeu que são pessoas que se incomodam muito pelos mais pequenos atropelos à legalidade.
Confesso que tive vergonha alheia. Pelo incómodo que a passadeira causava e pela hipocrisia gritante do argumento legalista.
Entretanto, em Campolide, já foram pintadas duas passadeiras arco-íris e serão pintadas mais três. Claro que facilmente se torneou a questão da obrigação das listas brancas: intermediou-se o branco com as cores do arco-íris. Muito bem, junta de freguesia de Campolide.
Mas regressemos à direita à beira de um ataque de nervos com as passadeiras.
Por um lado, nunca cessa de me espantar como esta direita vê a heterossexualidade masculina como frágil e fugidia e prestes a desabar. Parecem pensar que basta o mais pequeno incentivo, a mais ténue alusão à existência de gays para convencerem os rapazes todos de boas famílias portuguesas (e das más) para se tornarem gays – que, para estas pessoas, é o supremo horror. Como se ser gay não fosse, ainda, viver com preconceitos em barda em cima, por vezes bullying, insultos, agressões. Como se alguém escolhesse um caminho mais difícil e menos convencional se não soubesse que era só este o caminho para ser feliz, sexualmente e afetivamente.
Por outro lado, temos que notar a hostilidade que devotam àqueles que, não sendo heterossexuais, brancos e homens, insistem em ocupar e permanecer no espaço público. (E o incómodo não vem só de homens. Muitas mulheres os acompanham. O costume.) Pode-se ser gay (enfim, nos meios menos beatos), o que não se pode é afirmar publicamente que se é. Um ‘don’t ask, don’t tell’ forçado. E não, este não querer saber não é tolerância, um tanto faz, sê feliz como quiseres. É remeter a homossexualidade para dentro do quarto, para o espaço privado, obrigatoriamente fora da visibilidade pública. O subtexto: a homossexualidade é vergonhosa, contagiosa, de gente depravada, deve estar contida em locais escondidos e fora dos olhos da gente de bem.
No início do século XX, a atriz Beatrice Campbell dizia dos homossexuais ‘Does it really matter what these affectionate people do — so long as they don’t do it in the streets and frighten the horses?’. Na altura era uma forma de tolerância, porém no século XXI mantém-se a necessidade de os gays não assustarem a direita beata fazendo coisas na rua – assim, sei lá, como existirem, respirarem, passearem, atravessarem a Avenida Almirante Reis, andarem de mãos dadas com a pessoa de quem gostam.
O mesmo se passa para as mulheres e para os de pele mais escura. É recordar os achaques pelas manifestações de negros depois das agressões policiais no bairro Jamaica. Ou como alguma mulher declarar-se feminista faz esta direita ficar, mas mesmo, com os parafusos todos desconchavados. (Sei por experiência própria.)
Bom, esta gente à direita, apesar de reacionários e bafientos, gosta de se apresentar como muito liberal na economia (isto se as empresas não calharem ter consciência social e promoverem valores de igualdade de oportunidades entre os sexos, tolerância, inclusão, diversidade e outras calamidades que, garantem-nos, estão a destruir a sociedade e a família tradicional e as rendas de bilros). Muitos deles não entendem outros argumentos que não os estritamente financeiros. Pois bem, os gays, as feministas (e as mulheres que não gostam que os homens falem por elas) e os negros também pagam impostos. E pagam-nos para terem os vários níveis de administração pública a incluí-los nas políticas para a prossecução do bem-comum e na inclusão no espaço público.
No fundo, temos que começar a dizer a esta direita beata que eles, sim, têm de se encolher, porque o espaço público é deles só tanto quanto dos demais. Estão, em boa verdade, a apropriar-se dos impostos alheios para manterem no espaço público uma moralidadezinha que exclui.
Todos os outros, pelo seu lado, devem reivindicar o seu quinhão de visibilidade pública, sobretudo em tudo o que for pago com o dinheiro dos contribuintes.