A Índia é um país grande. Não pela extensão mas porque é antigo. O tempo, num país inteligente, é a extensão mais significativa. Milhares de metros quadrados ocupam, em teoria, uma superfície importante. Também o número de andares dos edifícios é facto bem visível das janelas dos aviões. Porém, é a História de um país que dá a intensidade da ligação da árvore à terra. E cada país é uma árvore. (in n.º 17, Canto VII) Não dá para imaginar, de forma clarividente, o que vai Gonçalo M. Tavares escrever nas histórias que conta. Os títulos que escolhe não deixam antever o que depois relata. Este foi o meu erro. Julguei que íamos permanecer bastante tempo na Índia. Empurrado pelos livros que li deste país enorme, como O tigre Branco de Adiga ou Siddhartha de Hesse, imaginei um romance com uma grande dose de espiritualidade, de auto-conhecimento, de busca interior. É talvez esse o objectivo de Bloom, personagem central da narrativa. É inegável que parte à busca de respostas, de pacificar a sua alma, pagar pelos crimes que cometeu. No entanto, e aqui a surpresa, volta rapidamente à partida. Aliás, arriscou-se a não regressar e a única recordação que traz é um livro antigo. Dos males que procurava curar, nada sarou. Deixo no ar a possibilidade, inclusive, desta personagem ter chegado a Paris ainda mais maléfica e profundamente melancólica. Este livro é supremo. Não é por acaso que fui tirando várias anotações ao que nele se escreve. O grande trunfo de Tavares não é contar uma história épica, mas criar uma personagem que dificilmente se esquece. E é Bloom, meu novo herói literário, que, no meio das suas paranóias pessoais, nos põe a pensar nas inúmeras questões em redor do mundo, na condição e limitação humanas, na procura de respostas às perguntas difíceis. Gonçalo M. Tavares cria o protagonista por excelência. Carregado de dúvidas, com uma enorme tendência para o tédio, não muito seguro do que procura, fugitivo dos pecados que comete, sem capacidade para responder imediatamente. E daí sai toda uma nova filosofia. Uma viagem à Índia é, afinal, uma longa caminhada pelo génio do escritor. O que pensa, o que dá a pensar. Não é qualquer um que consegue escrever uma história assim: sem grande elenco, forma muito pausada e, ao mesmo tempo, num estilo de epopeia. Este livro confirma aquilo que já suspeitava do autor: estamos perante um caso sério de literatura mundial. Atesta, igualmente, um estilo e um modo de estar muito próprios. Qualquer dia corremos o risco de adjectivar esta presença do escritor, imortalizando o seu nome, endeusando a sua obra. |