É perigoso ser criança em Portugal.
Mesmo para os mais alheados, esta semana, fomos bombardeados com notícia atrás de notícia que deixou esta realidade mais do que evidente: “Pedófilo liderava rede internacional a partir de sucata em Águeda”, “Só um terço dos abusadores de crianças vai parar à cadeia depois da condenação”, “Uma em cada 10 crianças vítima de violência grave”, entre outras. Tantas outras.
Em 2007, entendeu-se que a Justiça Portuguesa era demasiado rígida e que se tinha que reduzir o número de prisões efetivas. A partir daí, penas inferiores a 5 anos, podiam ser suspensas. Não quer dizer que o tivessem que ser, simplesmente passou a haver essa possibilidade.
O que aconteceu depois, já se sabe: as penas suspensas começaram a ser distribuídas como rebuçados na grande maioria dos casos de violência contra mulheres e crianças (que têm molduras penais ridiculamente pequenas, até para casos de pedofilia) e estes crimes aumentaram exponencialmente, sobretudo no seio familiar. Mas não foi só isso, citando uma amiga, Portugal tornou-se numa “incubadora” para todos aqueles que querem abusar de mulheres e crianças. Era inevitável que a palavra se espalhasse. E espalhou.
Há uns dias, descobrimos que foi desmantelada em Águeda uma rede internacional de pedofilia. O pedófilo que estava à frente, já tinha sido condenado. Recebeu pena suspensa e voltou a viver com as crianças que abusava. Até “tomava conta” de outras crianças. Pensou em abrir um serviço de babysitting after-hours num centro comercial ou de guarda-costas infantil. Gabava-se de que em Portugal a Justiça fechava os olhos e que havia impunidade. Também se gabava de ter violado uma bebé de 3 meses. Há uns anos, quando foi apanhado e confessou (!), os nossos Juízes não lhe quiseram “estragar a vida”. Isso mesmo. Leram bem. Este trio de magistrados meteu na balança as várias vidas que podiam ser afetadas com a prisão deste senhor – e achou que mais importante que proteger as crianças, era proteger o seu agressor. Soa familiar? Não é caso raro. É o mesmo modus operandi que usam para julgar casos de regulação de guarda parental que envolvem violência doméstica, dando guarda partilhada a agressores e chegando mesmo a decretar um regime de visitas obrigatórias para casos de violência doméstica tão extrema que os filhos estão escondidos em casas de abrigo. Ponham-se por um segundo no lugar destas crianças! No lugar destas mães… a impotência que devem sentir. O medo.
Quantas vezes não ouvimos acusações veladas às vítimas de violência doméstica: Porque é que ficou? Porque é que não agarrou nos filhos e se foi embora? Como é que foi capaz de deixar os filhos naquele ambiente?
A sério minha gente? Acordem! O mais provável é a denúncia não dar em nada. Só 7% dos casos denunciados resultam em condenação e, de qualquer forma, estas condenações são invariavelmente ignoradas pelos Tribunais na hora de determinar a guarda das crianças. Estas mães sabem que, ao se irem embora, vão ter que entregar os filhos regularmente aos pais-agressores. Não vão estar lá para os proteger. Os agressores também sabem disso e usam-no. Claro que as vítimas ficam! É a única forma de protegerem os filhos.
Face a esta realidade. Amplamente denunciada, tanto por instituições nacionais como Europeias, seria de esperar que fossem tomadas medidas urgentes. Só que não. Em vez de se focar o esforço legislativo na proteção das crianças, ou pelo menos tentar colmatar as inúmeras lacunas e não transposições legais que temos neste momento (e que já originaram, por exemplo, um processo da Comissão Europeia a Portugal referente à não implementação de legislação de combate ao abuso sexual de crianças), o PS e o PSD acharam que o importante era implementar regras que as desprotegessem mais, como a proposta de um regime-regra de residência alternada. O Conselho Superior da Magistratura e a PGR também acharam muito bem. Só a Ordem dos Advogados (OA) se preocupou em analisar o tema de forma isenta e fundamentada, afirmando que esta alteração não só era “desnecessária, como contrária aos direitos das crianças”. E porquê? Porque o regime de residência alternada já existe! E claro que pode ser ótimo e funcionar bem, mas só quando não há hostilidade e existe bom diálogo entre os pais. Caso contrário, e como disse muito bem a OA, vai-se colocar as crianças “no centro do conflito parental”. Se estamos, de facto, focados no superior interesse da criança – e não nos direitos dos pais – então como é que podemos assumir como regime-regra algo que só funciona em casos excecionais e quando os pais estão na mesma página? Não faz sentido. As crianças vão acabar por ser usadas como peões, não ter qualquer estabilidade – e isto torna-se tão mais grave nos casos que falámos anteriormente de violência doméstica e abuso.
Deixem as crianças ter paz.