Tornar a habitação acessível (1)

0
Imagem de Isabel Santiago.

É inaceitável que quem ganha o salário mínimo (ou pouco mais) não tenha acesso a habitação a preços razoáveis. Neste momento, o valor das rendas está totalmente desfasado dos salários.

Há décadas que o Estado ou intervém mal ou se abstém de intervir no mercado de habitação, ainda que o direito à habitação esteja na Constituição (artigo 65º), desde 1976. O número 3 deste artigo diz: “O Estado adoptará uma política tendente a estabelecer um sistema de renda compatível com o rendimento familiar e de acesso à habitação própria.”

Este preceito nunca foi respeitado, mas hoje estamos hoje particularmente longe do seu cumprimento. Aliás, mesmo que não estivesse na Constituição, é do mais elementar bom senso que os governos se preocupem com que haja habitação acessível para todos.

Em 1974, o congelamento das rendas matou o mercado de arrendamento, gerando uma crise brutal. As reformas posteriores e a descida das taxas de juro permitiram resolver (parcialmente) o problema, promovendo a compra de habitação própria, em que o país se passou a destacar. Diria que a intervenção pública nesta área se tem caracterizado por um misto de intervenção desastrada com demissão.

O problema regressou com a recente forte subida da procura de habitação, sobretudo em Lisboa e no Porto, por via da recuperação da economia, da expansão do turismo, em particular do alojamento local, e por políticas públicas de atracção de residentes não habituais, com elevados rendimentos. É, aliás, um grande contra-senso, que o Estado tenha promovido o aumento da procura e não tenha feito absolutamente nada para estimular a expansão da oferta.

Para se ter a noção da gravidade da questão, dei-me ao trabalho de coligir alguns exemplos de oferta da habitação para arrendamento, no site idealista, que agrega variados outros portais. Fiz pesquisa por concelhos da área metropolitana de Lisboa e do Porto, não colocando qualquer restrição ao tipo de habitação, ordenei pelos mais baratos e escolhi os casos 5º, 10º e 20º, uma forma de diminuir a sensibilidade ao mais barato de todos, que pode ser demasiado invulgar e pouco representativo.

Rendas nos concelhos da área metropolitana de Lisboa

Concelho Total 5ª mais barata 10ª mais barata 20ª mais barata
Alcochete 11 1 700€ 2 500€
Almada 106 550€ 600€ 650€
Amadora 50 630€ 700€ 780€
Barreiro 18 530€ 620€
Cascais 1 126 650€ 750€ 800€
LISBOA 2 603 600€ 625€ 700€
Loures 59 700€ 750€ 900€
Mafra 39 800€ 950€ 1 200€
Moita 9 550€
Montijo 27 650€ 700€ 900€
Oeiras 300 600€ 700€ 800€
Odivelas 39 650€ 800€ 950€
Seixal 27 600€ 675€ 1 250€
Sintra 162 430€ 600€ 650€
Vila Franca de Xira 18 585€ 795€

Para quem não tem andado à procura, isto pode constituir um profundo choque. É quase impossível encontrar habitações por menos de 500€ por mês, quando o salário mínimo é de 600€ e o salário mediano (o máximo que a metade de menores rendimentos consegue auferir) está abaixo dos 1000€. Não tirem ilações erradas, de pensar, por exemplo, que o Seixal é mais caro do que Lisboa. O que se passa é que, havendo apenas 27 habitações disponíveis naquele concelho da margem Sul, a 20ª é das mais caras.

Rendas nos concelhos da zona do Porto

Concelho Total 5ª mais barata 10ª mais barata 20ª mais barata
Gondomar 20 550€ 600€ 2 500€
Maia 25 750€ 1 000€ 1 650€
Matosinhos 115 600€ 685€ 750€
PORTO 556 500€ 550€ 600€
Valongo 14 600€ 650€
Vila Nova de Gaia 155 500€ 550€ 600€

No caso da zona do Porto, a situação é ligeiramente menos grave, mais continua a ser muito preocupante.

Considero que não faz sentido que se tenha que gastar mais de 50% do ordenado em habitação (até acho que deveria ser menos, mas por agora teremos que ter este objectivo mais realista), pelo que o Estado deveria assumir o compromisso de assegurar um número muito alargado de habitações entre 300€ e 500€ de renda mensal (metade dos salários da metade mais pobre).

Há muitas formas de lá chegar, sendo que a pior e a garantia de fracasso seria o tabelamento das rendas.

(continua)

Deixe um comentário. Acreditamos na responsabilização das opiniões. Existe moderação de comentários. Os comentários anónimos ou de identificação confusa não serão aprovados, bem como os que contenham insultos, desinformação, publicidade, contenham discurso de ódio, apelem à violência ou promovam ideologias de menorização de outrém.

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.