Este mês a GQ Portugal faz uma peça de oito páginas sobre a ‘Justiça de Macho’ que temos por cá, com as absurdas e intoleráveis sentenças e acórdãos judiciais em casos de violência doméstica e violência sexual. Foi escrita por Diego Armés – portanto, bem escrita -, que teve a simpatia de me pedir umas considerações sobre o assunto e me deu oportunidade de barafustar pelo que tenho visto.

Ainda não li a revista – saiu ontem, quando ler, conto – mas sei bem como Diego Armés é um nosso aliado nestes protestos – e noutros. E fiquei a saber que a GQ portuguesa, de um país onde coramos de vergonha alheia pelo que lemos nas redes sociais de tão retinto, entranhado e intratável machismo (vindo de homens e também de mulheres), é uma revista corajosa, que não foge aos temas quentes que podem fazer os seus compradores potenciais torcer o nariz. É certo que o nicho de mercado da GQ dificilmente será o grunho iletrado que bate na mulher sempre que bebe uns copos na taberna ou o seu clube de futebol perde. Mas em boa verdade – veja-se o tristíssimo caso Carrilho – a violência doméstica e a violência sexual não se ficam pelas classes mais baixas, sobem até aos salões supostamente civilizados das elites. Tanto assim que esta tomada de posição – é preciso uma justiça que efetivamente puna violência contra mulheres – é de se lhe bater palmas longamente. É enternecedora. É decente. E é de quem leva a sério a missão do quarto poder: escrutinar os restantes três. Chapeau.
Também é um exemplo admirável de como a luta contra a violência contra mulheres não tem de ser uma guerra de sexos, nem de um lado nem de outro. E de uma outra evidência (que alguns estranhamente acham confusa): reconhecer que são os homens os agressores e as mulheres as vítimas só ofende agressores, não há qualquer razão para amofinar homens que nunca violentariam ou agrediriam uma mulher – que são a maioria. Os que se ofendem com esta constatação de uma singelo (e sinistro) facto, mesmo se não agressores, esperam, pelo menos, beneficiar do ambiente de violência e restrição de liberdade das mulheres que as ações de outros mais brutos geram.
Sou de opinião que devemos saudar quem se alia às nossas causas motivado pela mais básica decência. Não é estreia, sequer: a GQ recentemente saudou o anúncio da Gilette contra a masculinidade agressiva. Por exemplo. E gosto de ver revistas para o mercado masculino, e gente ligada a essas revistas, mostrarem que estão nos antípodas do misógino que odeia mulheres todos os minutos do seu dia.
A GQ britânica também acompanha esta tendência. Não diaboliza o feminismo, não endeusa gurus machistas de auto-ajuda a armar ao cientista infalível, não tem achaques com o #metoo. Faz entrevistas interessantes a feministas como Caitlin Moran ou Miriam Gonzalez Durantez. Além disso, Dylan Jones, o editor da GQ britânica, é autor de Manxiety – um livro que todos os homens e as mulheres deviam ler. Nele, Jones divaga sobre as razões das inseguranças ongoing da masculinidade. Sim, referindo a emancipação feminina, as mulheres que ficam com cada vez mais empregos apetecíveis, a vaga impaciência com que às vezes as mulheres tratam os homens (de facto: quem tem paciência para tanto queixume proveniente de quem está na posição mais fácil e privilegiada?), e a confusão que tudo isso gera nos xy. Mas sobretudo aponta o dedo à inexistência de um lugar respeitável na sociedade para os homens da working class (são-lhes oferecidos apenas emprego precários e cada vez mais pecuniariamente insatisfatórios) – e, acrescento eu, também aqui temos de pensar na crescente desigualdade dentro das sociedades ricas e de como tem impacto tectónico até no modo das pessoas se relacionarem. À adoção de hábitos de consumo tradicionalmente pouco masculinos. À má fama da masculinidade agressiva na comunicação social (ainda bem). Não sentirem que as novas mulheres, tremendamente competentes (em várias frentes), precisam de homens. E por aí adiante. Tem a virtude suprema de não ir pelo caminho-cliché, intelectualmente tão básico que dói, de culpar o diabólico feminismo e as novas liberdades das mulheres (permitidas pelas novas mentalidades e que vão além dos direitos estabelecidos na lei) pelos problemas dos homens. Evidentemente reconhece que vivemos num mundo ainda construído para os homens. E, claro, constata que o homens nunca tiveram uma vida tão boa como agora.
O livro de Dylan Jones é magnífico e merece ser lido. A GQ portuguesa de março também. Corram a comprar, para lerem, e mais uns exemplares para oferecerem. É o meu conselho.