Há umas semanas, em Lisboa, supostamente a direita do futuro (persignem-se!) juntou-se na Culturgest num evento organizado pelo Movimento Europa e Liberdade. A organização veio de dois homens, de perfil empresarial e de gestão. Nada contra: tenho até por princípio louvar sempre pessoas que participam, que agitam as águas, que promovem o debate e a reflexão, que fazem acontecer, que têm iniciativa, e este caso é também meritório neste ponto de vista; só tenho contra o facto de serem tão previsíveis e pouco imaginativos.
É que nos muitos painéis de discussão, apenas quatro tinham participantes mulheres. Dentre os quase cinquenta participantes, o número estonteante de mulheres foi sete. Sete. E duas delas eram jornalistas e moderadoras. Outra foi Assunção Cristas, que é líder de um partido político e fez a sessão de encerramento. Somente quatro mulheres foram oradoras nos vários painéis.
Não sei o que é mais chocante. Se em 2019 alguém organizar um evento político destes praticamente todo no masculino, se a maioria das pessoas não ter reparado na anormalidade. Por mim, uma amiga perguntou-me se queria ir assistir a alguns painéis. Disse que sim, de seguida fui ver melhor e, só vendo homens, perdi o interesse. Uma conferência que não quer saber dos pontos de vista das mulheres, necessariamente não vai responder aos problemas a que as mulheres mais pedem respostas políticas. Donde: vamos lá fazer o quê? Bater palmas aos homens que querem ouvir outros homens? Queriam.
O facto de não ter mulheres foi consistente com os temas abordados. As ameaças à liberdade – quer dizer, algumas, porque as ameaças à liberdade e aos direitos humanos das mulheres que os populismos (machistas como se sabe) trazem não foram com toda a certeza referidos; nem a ameaça à liberdade que são os persistentes altos níveis de violência contra mulheres; nem a diminuição efetiva de liberdade que representa a manutenção de menores rendimentos e salários das mulheres. E os temas de crescimento económico e de sistema político. Ah, houve um painel que referia desigualdades – mas, tchan tchan tchan, só convidaram aqueles que geralmente estão no lado de cima dos desequilíbrios. Deve ter sido um debate interessante e profícuo.
Não houve cá picuinhices de estado social, cultura, nem sequer a mãe de todos os benefícios – a educação. (Nem desigualdades, se falarmos a sério.) Os homens de barba rija da direita não se interessam por estas coisas.
Li quem se queixasse de convidados com idade demasiado proveta para se discutir o futuro. Outros amofinaram-se pelo excessivo peso lisboeta. Eu noto a ausência de metade da população. E, como somente contou com a outra metade da população (a masculina), o evento apenas se debruçou sobre os assuntos que interessam a esta metade da população xy – ou mais afunilado ainda: à metade masculina da população, de direita e com perfil empresarial pouco criativo.
Mas nem dentro dos temas políticos e económicos escolhidos se desculpa a ausência de mulheres. Lembro as deputadas Inês Domingos, Cecília Meireles ou Ana Rita Bessa, preparadíssimas tanto na área da política como na da economia. Ou as académicas Vera Maria Gouveia Barros ou Sandra Maximiano – mas presumo que sejam demasiado independentes, e feministas, para esta direita do futuro que pretendiam ‘debater’ – ou Celine Abecassis Moedas – mas estuda coisas esotéricas como questões económicas das atividades artísticas e criativas, não interessa nada. Poderia continuar a lista por mais umas horas.
Novamente: nada contra a opção. Só tem problema porque tal evento foi promovido como um vislumbre do futuro da direita. Ora se o futuro da direita são homens a falar com outros homens só sobre os assuntos que interessam aos homens de pouca visão, então que façam boa viagem. E que tenha grande sucesso, esta direita do futuro, se vai apelar e seduzir e dar respostas apenas a metade do eleitorado. Não me parece opção inteligente ignorar 50% dos potenciais eleitores, mas cada um sabe de si.

Falo de opção, mas em boa verdade acredito que não tenha sido opção. Foi o costume: homens que nem se lembram que as mulheres existem. Que quando passam por contributos femininos não os ouvem nem consideram até algum homem os repetir. Por isso, há poucos anos o Público fez uma capa com previsões para 2017 onde só homens constavam – mas alguém se lembra de querer saber o que as mulheres pensam que vai acontecer? Há muitos homens – e em Portugal são maioritários – que reputam de ridícula a capacidade das mulheres fazerem contributos relevantes (quer tenham consciência e o assumam ou não) e que não lhes interessa de todo ouvir os nossos contributos.
Perante isto cabe às mulheres serem exigentes e punirem estas veleidades. Inclusive não votarem nelas. E cabe aos homens decentes não serem cúmplices e coniventes destas exclusões declaradas e deliberadas. Há poucos dias vi no facebook um candidato ao Parlamento Europeu para a ALDE, o italiano Alberto Allemagno, que ao ser entrevistado numa universidade por dois homens, perante uma audiência, mostrou desconforto por estar a dar a aparência de um all male panel (não a suficiente para o ter evitado, claro). Por cá nem se dão ao trabalho de notar o problema. É também sintoma da nossa periferia.
Ou não. Pode ser sintoma do novo ar do tempo da direita. Os populismos – que, recorde-se, são bastante bem tolerados por grande parte da direita, se não mesmo vistos com simpatia – têm feito por estabelecer uma ortodoxia social (mais) machista. São os atentados à liberdade sexual das mulheres (vejam-se as restrições que Trump tenta ao acesso a contracetivos; vejam-se as aberrações que diz a ministra de Bolsonaro, a que viu Jesus). E, sobretudo, são as exigências acrescidas a que se querem obrigar as mulheres políticas.
Há pouco tempo, os apoiantes do presidente mais boçal, malcriado, mentiroso, obsessivo, grunho, insultuoso, que faz da falta de educação um statement político e a trouxe para a atividade quotidiana da política, esses apoiantes, dizia eu, que veneram e deliram com a grunhisse e boçalidade e rasteirice e insultos de Trump, indignaram-se porque uma recém eleita congressista havia chamado ‘motherfucker‘ a Trump, advogando o impeachment. Percebe-se: os homens podem chamar os bois pelos nomes, as mulheres têm que falar com florzinhas e arco-íris nas legendas.
Mais ridículo ainda foi a tentativa de ataque a Alexandria Ocasio-Cortez. Não é que descobriram um vídeo de Alexandria enquanto estudante universitária em que ela – desfaleçam – dança? Horror. Uma senhora não dança. Só, quiçá, valsa com o pai e os potenciais futuros maridos. Claro que fez boomerang este ataque, e Alexandria saiu-se bem porque só alucinados (ah mas se os há) levam a mal uma rapariga (ou uma mulher) dançar. Porém é curioso como certas pessoas consideraram que o vídeo seria prejudicial para uma política. As mulheres dançarem e divertirem-se é, aparentemente, sinal de perdição e incapacidade ética, profissional e política. Assim vai a direita americana.
Não tenho dúvidas que há contingentes à direita que ativamente querem tornar a direita masculina. Outros têm verdadeira má impressão dos contributos femininos, tremem de horror com a quotas (que é só o único mecanismo que garante a participação feminina, e mesmo assim imperfeitamente) e consideram as mulheres que querem participar umas sequiosas de poder (os homens, evidente, fazem tudo apenas pelo amor ao bem comum). Refiro opiniões que já me foram comunicadas. Outros ainda estão habituados a nem se lembrarem que existimos sem ser para cozinhar e ir ao supermercado.
Cabe às pessoas decentes de direita (as indecentes dou-as como perdidas), com as várias combinações de cromossomas, garantir que não é esta visão distópica que vence. Ou as mulheres votarão por atacado em quem entenda que tanto querem ser representadas como representar-se, como é por de mais evidente.