A real ideologia de Trumps, Bolsonaros e produtos populistas de direita derivados

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Ando a afirmar compulsivamente, e a repetir, pelo menos desde que Trump ganhou a nomeação dos republicanos para a candidatura à presidência dos Estados Unidos que o fulcro da ideologia do trumpismo e dos seus apoiantes (indefetíveis, e em vários locais do mundo) é esta que consta na imagem do governo de Bolsonaro no dia da sua tomada de posse: homens brancos a mandarem em toda a gente. Ponto final. O resto é folhagem, descartável quando for preciso. O fundamental, e que dá coesão aos movimentos populistas de direita, é isto.

O caso Bolsonaro é paradigmático, com um governo de gente branca e apenas duas mulheres (uma que ficará encarregue de tentar exterminar culturalmente, pelo menos, os índios brasileiros e outra que é ministra, a que viu Jesus num pé de goiaba, das coisas fofinhas a que os colegas homens não ligam nenhuma: mulheres e direitos humanos). Num país com grande parte da população negra ou ‘parda’. Mas segue o padrão devido nestes produtos tóxicos políticos. A administração Trump também é a que tem menos mulheres desde a administração Reagan (e aos anos que isso foi). E mais branca também. Não é por acaso.

Orbán terminou os Estudos de Género e Femininos nas universidades húngaras. Tirando Marine Le Pen – que herdou a cadeira do pai – todos os líderes de extrema direita ou direita populista são homens, rodeados por outros homens, com frequentes tiradas de ataque a mulheres, ao feminismo, aos gays, aos movimentos LGBT, aos estrangeiros, às minorias, aos negros. Também não é por acaso.

O movimento de bullying e ameaças generalizadas e desinformação na internet que foi fundamental na eleição de Trump começou com o aparentemente de nicho Gamergate, em que a comunidade de jogadores online se mobilizou contra várias jogadoras e autoras de jogos pela razão mais justificativa de todas para estes energúmenos: são mulheres e são feministas, donde, é justo serem perseguidas e punidas. Esta comunidade de gamers da net foi desde o início um grupo de apoiantes entusiastas de Trump e usou, com sucesso, os mesmos métodos de bullying e ameaça contra os que criticavam Trump durante a campanha presidencial, novamente com maior garbo se contra mulheres. O movimento trumpista da net foi gerado numa perseguição internética a mulheres. Outra vez: não é por acaso.

Ao contrário do que os apoiantes desta usurpação do poder por uma parte da população (masculina e branca) pretendem, não é qualquer liberalismo que sustenta o apoio. Evidentemente não é liberal determinar o que é ciência e o que não e o que os académicos devem estudar, como fez Orbán. Não é liberal despedir funcionários públicos socialistas e comunistas, como decidiu já Bolsonaro. Também não é liberal (e hei de voltar a este tema) generalizar a possibilidade do porte de armas, como Bolsonaro pretende e Trump assegura aos seus eleitores sulistas e das pradarias, porque segurança é essencial para garantir a liberdade de movimentos aos que não têm possibilidade ou gosto por transportar armas. E aos que têm, também. Não é liberal ameaçar despedir o presidente da Federal Reserve por subir os juros. A Fed é independente, como devem ser os bancos centrais, e os liberais tendem a não apreciar taxas de juro baixas. Não é liberal atacar a liberdade sexual das mulheres e autodeterminação sobre o seu corpo dificultando-lhes o acesso a contracetivos, como Trump orgulhosamente fez para retribuir à sua base fundamentalista religiosa. Nada liberal, claro, aumentar tarifas aduaneiras e provocar guerras comerciais – que é a história de Trump quase com todo o resto do mundo com que os Estados Unidos têm relações comerciais.

Poderia continuar. Nenhum destes atropelos causa estados de alma ou desconfortos aos ditos liberais. A razão? Na verdade não é isso que lhes é importante. A repressão de mulheres, gays, negros e minorias, sim, conta. O regresso a uma ordem social onde as estouvadas das feministas não tivessem mais anseios que serem donas de casa e mães (ah, e ter as mulheres financeiramente dependentes é tão bom para as poder destratar e menorizar e ter a upper hand na relação), os negros soubessem o seu lugar, os estrangeiros continuassem nos seus países, ou no dos seus pais, e os gays tivessem a devida vergonha para não se assumirem como contra natura – ah, aqui temos o que faz salivar e sonhar os populistas e os seus apoiantes.

Os populismos de extrema direita são o grito de guerra dos machos grunhos. Os que não são suficientemente bons e, quando em concorrência com o mulherio e os escurinhos, são preteridos. Podem aventar todas as razões para as vitória de Trump e afins radioativos brasileiros e europeus – e existem e também contam – que o argumento decisivo está na fotografia lá de cima. A insegurança, os homicídios e a corrupção no Brasil, claro. Hillary Clinton era detestada e não se dignou a fazer campanha em certos estados – que lhe pagaram a desconsideração. A esquerda americana que havia sido brutal no escárnio que sempre verteu, mesmo quando injusto, em cima de quem era apenas moderado ou até conservador em níveis saudáveis. Os habitantes das pequenas cidades que a globalização tornou pouco mais que fantasmas. A esquerda perdida nas causas identitárias em vez de nas questões económicas e sociais. Um longo etc. Tudo isto ajudou a eleger Trump e Bolsonaro. E a dar votações perigosas a Le Pen. Não obstante, foi exatamente a causa identitária da direita populista – a defesa do status quo favorável ao homem branco – que lhes ganhou as eleições.

É inútil lembrar que há mulheres e negros nestes movimentos. Há sempre idiotas úteis em todo o lado. Neste caso, são bons para poster boys e girls, na condição de não desafinarem nem meio tom da cartilha de supremacia dos seus melhores, que (não tão) secretamente os desprezam. Servem para compensar os homens brancos decentes – e há, graças aos deuses, e em grandes números, e são nossos aliados na contestação – que não se revêem nesta exclusão da maior parte das populações na representação do poder.

Mas não se enganem: quem apoia, envergonhadamente ou desabridamente, ou quem apenas critica os desvios ao liberalismo económico, ou quem gasta as suas energias criticando os opositores destes populistas, o que defende, e de todo o coração, é o que está na fotografia. Nunca esqueçamos ao que vêm e quem são.

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